GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos

 Um dos conceitos de processo de cuidado, abaixo transcrito, revela a 
 ruptura epistemológica do processo de cuidado com os saberes e as
 práticas inspiradas na Clínica tradicional ou oficial e centradas no
 denominado modelo biomédico:
 

 "
É um processo flexível, dinâmico, complexo, social, histórico, reflexivo, que se
 constrói a partir das interações entre os seres humanos, no qual quem ensina
 aprende e quem aprende ensina, havendo troca de conhecimentos e experiências
 mútuas, uma vez que cada ser que interage, o faz com suas idéias, valores, atitudes e
 experiências. É um processo estético, ético, criativo, que possibilita ao ser humano
 diverso e singular, no âmbito individual e coletivo, o desenvolvimento de suas
 potencialidades, podendo atingir autonomia sobre suas ações, tornando-se sujeito
 das situações vivenciadas. Pode ser terapêutico, pois facilita o enfrentamento de
 situações de estresse e crise, favorecendo viver de forma saudável [...] É um processo,
 no qual se estabelecem transações para o alcance de metas, com participação ativa
 dos envolvidos, no qual aqueles que participam desta experiência crescem
 pessoalmente e transformam a si e ao meio em que estão inseridos, Finalmente, é um
 processo que envolve e exige disponibilidade, respeito, capacidade de ouvir,
 afetividade, confiança, alegria, sensibilidade, compromisso e responsabilidade".(1)


As rupturas epistemológicas e a revolução científica dos saberes e das práticas de cuidado pela formação e desenvolvimento do processo de cuidado (e a dimensão deste no modelo político e social de processo saúde-doença) são a contribuição da Enfermagem para o século XXI, utilizáveis por todas as ciências da realidade sócio-histórico-humana, incluindo-se as chamadas ciências da saúde.


 Primeiro: rompe com a rigidez e a esterilidade da concepção de 
 método científico-experimental ou mecânico-matemático preso a uma
 concepção naturalista, materialista e positivista – e não positiva - de
 ciência.


 Segundo: rompe com metodologias e métodos a-históricos, a-sociais,
 a-críticos, a-reflexivos.


 Terceiro: rompe com a pretensão de saberes superiores prévios a
 serem aplicados a alguém ou a uma comunidade desprovida de
 saberes;


 Quarto: rompe com a frieza, distância e suposto profissionalismo
 científico desqualificador do processo de interação terapêutica entre
 profissionais cuidadores e pessoas cuidadas;


 Quinto: reconhece a dinamicidade do processo de interação
 terapêutica entre cuidadores e pessoas cuidadas conjuntamente
 responsáveis pelo desenvolvimento do processo;


 Sexto: conhece, reconhece, respeita, utiliza e co-participa dos
 conhecimentos, saberes e práticas das pessoas e das comunidades de
 pessoas, sem a dicotomia desqualificante entre saber acadêmico e
 saber popular;


 Sétimo: reconhece e valoriza as experiências mútuas entre cuidadores
 e pessoa ou comunidade cuidada, co-produzindo saberes
 proporcionadores de desenvolvimento (diferenciação e
 aperfeiçoamento) da vida individual e coletiva;


 Oitavo: é um processo estético e não meramente técnico; a técnica é
 um instrumento integrante, às vezes acessório, do processo de
 cuidado e jamais um instrumento essencial;

 Nono: é um processo ético.

 Décimo: é um processo criativo respeitante e consolidador das 
 capacidades das pessoas e das comunidades de criar situações e
 condições de vida individuais e coletivas plenas, saudáveis,
 qualificantes; não é meramente reprodutor de coisas e saberes
 consolidados e validados.


 Décimo primeiro: é um processo terapêutico aliviador ou curativo,
 autônomo e independente de quaisquer outros conhecimentos ou
 tecnologias de outras ciências;


 Décimo segundo: é um processo afetivo, sensível;

 Décimo terceiro: é um processo modificador das noções e práticas
 profissionais (sejam diagnósticas ou terapêuticas); 



 Décimo quarto: é um processo intuitivo onde a intuição é uma função
 psíquica, formada e desenvolvida exatamente porque toda pessoa é
 histórica, social.


 Tanto do ponto de vista diagnóstico quanto do terapêutico, as
 características elencadas do processo de cuidado revolucionam a
 concepção oficial ou tradicional de Clínica tanto quanto os estudos de
 Enfermagem sobre processo de cuidado revolucionam a abordagem
 do atual conceito de processo saúde-doença – o que me leva a
 proposição do PROCESSO SAÚDE-DOENÇA-CUIDADO cujos marcos filosófico e metodológico foram fundados por FLORENCE NIGHTINGALE.
____________________________
(1) ZAMPIERI, Maria de Fátima Mota. Vivenciando o processo educativo em enfermagem com gestantes de alto risco e seus acompanhantes. In: Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v.8, n.1, p.203-221, jan/abr. 1999.

Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 05/04/2009


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