GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos

A Ordem do Discurso bem pode ser nomeada de  Polícia do Discurso, cuja função é criar e manter procedimentos externos e internos de exclusão de discursos dos quais o mais conhecido é a interdição dos mesmos: a palavra proibida, a imposição de silenciamentos, o não pronunciável.

A interdição, no mundo acadêmico e na imprensa moderna, está a cargo dos professores orientadores e dos Conselhos Editoriais.

Mas os professores orientadores e os Conselhos Editoriais não apenas excluem externamente por interdição; também o fazem por separação e rejeição de discursos.

Separação ou segregação de discursos daqueles que os pronunciaram ou o querem pronunciar: tornar algo não pronunciável como algo marginal e, com isso, produzir a rejeição. A segregação marginalizante é por si mesma um procedimento externo de rejeição.

Paradoxalmente, para separar ou segregar discursos é preciso estimular a produção de confissões, depoimentos, sem o que não se pode separar e rejeitar, controlar e delimitar o que pode, aonde pode e como pode ser dito.


Seria esta a função dos Congressos, Simpósios, Seminários, Fóruns Científicos, ou seja, produzir confissões e depoimentos?

Além desses sistemas de exclusão externos há os internos: quando a própria pessoa do discurso, interdita, separa ou segrega e rejeita o seu discurso por haver obviamente introjetado os sistemas de exclusão externos. Tal sistema interno de exclusão é racionalizado como princípios: princípios classificatórios, ordenadores, distribuidores que promovem um desnivelamento entre os discursos pelos seus comentadores.

O princípio do comentário, produtor do desnivelmento entre os discursos, evidencia-se naquilo que é sempre dito (por exemplo, os autores, idéias e textos sempre citados e comentados); naquilo que é dito às vezes, em determinadas ocasiões e não em outras; naquilo que é sempre republicado e naquilo que jamais foi republicado; naquilo que é publicado numa língua ou num país e não em outro; naquilo que nunca é dito ou jamais comentado; naquilo que é comentável sob determinados limites; há os discursos fundamentais e os periféricos.

O princípio da disciplina estabelece a produção do discurso, determinando o que está dentro e o que está fora da preestabelecida verdade do discurso de cada uma das disciplinas: o que não se fundamenta nem se desenvolve segundo aquela predeterminada verdade do discurso dessa ou daquela disciplina científica está fora do discurso.

Além do grupo dos sistemas  de exclusão externos e internos, há o grupo de controle dos discursos, determinando as condições sob as quais os discursos devem ser produzidos e pronunciados: são as Ordens Técnicas estabelecendo quem pode ter acesso aos discursos.

Existem as sociedades de discurso (revistas, editoras, grupos de pesquisa) cuja função é garantir a conservação e a produção de discursos que devem circular em espaços fechados, segundo regras estritas predeterminadas. Tais sociedades se dão o direito de estabelecer segredos de discurso, coibir ou divulgar discursos, estabelecer prioridades de divulgação e regimes de exclusividade publicitária.

Para Foucault, formações discursivas são "conjuntos de enunciados
identificáveis por seguirem um mesmo sistema de regras,
 historicamente determinadas." Ou seja, uma mesma Ordem de Discurso.

O conceito foucaultiano de Formações Discursivas quer superar os conceitos tradicionais de teoria, ideologia, ciência.

O estudo daquela arqueologia do saber tornou-se um método de pesquisa dentro do qual Foucault instituiu o conceito de microfísica do poder: nesse sentido Foucault é anti-Marx.

Formações Discursivas, justificadoras dos saberes e das práticas científicas, são expressões de poderes sociais, políticos, econômicos, religiosos, culturais, morais, históricos, ideológicos; entretanto, tal caráter sociopolítico das formações discursivas foi mais claramente explicitado e fundamentado por Michel Pêcheux (1938 – 1983), marxista althusseriano (Louis Althusser, 1918 – 1990).

Para Pêcheux, toda formação social traduz determinada relação entre classes sociais e traz em si
"posições políticas e ideológicas que não são obra de indivíduos, mas se organizam em formações, mantendo entre si relações de antagonismo, de aliança ou de domínio”.

Em Pêcheux, as formações discursivas procedem das formações sociais que, por sua vez, são formações ideológicas.

Em tais formações ideológicas incluem-se uma ou várias formações discursivas interligadas, determinantes do que pode e o do que deve ser dito sob a forma de um discurso, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, de uma prática científica...E, tudo isso, a partir de uma determinada posição numa dada conjuntura.

Diante de todas as evidências históricas da força paralisante do progresso técnico e não necessariamente humano da ciência normal, apesar da sua força econômica, e das ordens do discurso de um determinado tipo de pensamento, expressivo de formações ideológicas, proponho os conceitos de ciência sustentável e de ciência insustentável com os seus respectivos discursos sustentáveis ou insustentáveis.
 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. Archéologie du savoir. Paris: Gallimard. 1969
FOUCAULT, Michel. L'Odre du discours. Paris: Gallimard. 1971
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16. ed. Rio de Janeiro: Graal. 2001
PÊCHEUX, Michel. L'Inquétude du discours. Paris: Éditions des Cendres. 1990

Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 13/05/2009
Alterado em 13/05/2009
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