GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos


 Cuidado do homem é um conceito crítico e integrador para os horizontes epistêmicos conhecidos por    
 saúde cultural
, saúde mental e saúde do homem; pelo menos a minha pretensão é utilizar o cuidado do    
 homem como horizonte de saber básico e estratégico capaz de modificar a racionalidade instrumental 
 com que os sistemas culturais abordam o representante masculino da espécie humana. 

 Saúde cultural quer significar a formação e o desenvolvimento de conhecimentos e saberes, de 
 habilidades e competências humanas construtoras de uma cultura saudável, ou seja, sustentável, de 
 afirmação do cuidado com a vida, (re)organizadora de uma Política e Pedagogia para uma sociedade 
 república.

 Ao falar em saúde cultural penso na situação de adoecimento e poluição cultural em que a sociedade 
 brasileira vive na atualidade: na mídia jornalística, televisiva, cinematográfica; nos conteúdos 
 fragmentados e inadequados das escolas de todos os níveis incapazes de formar pessoas para uma vida 
 saudável, integrada; no empobrecimento de mensagens saudáveis presentes na música, na poesia e na 
 prosa nacional; na fixação subalterna das Academias em conhecimentos e práticas exógenos, 
 destruindo a sua capacidade para coexistir e correlacionar-se à realidade humano-sócio-histórica 
 nacional; na destruição do mundo histórico e das relações humanas por uma concepção e modelo de 
 economia descomprometida com a humanidade e com a Ética; os movimentos hegemônicos de 
 destruição sistemática da consciência, da cultura e da memória histórica nacional; na vida 
 representativa de homens de governo, de Estado, de partidos, incapazes de saber o que é Política e, por 
 isso, distantes do espírito repúblico. Em suma, a racionalidade subjacente à medicalização, à 
 economialização, à partidarização, à poluição cultural da sociedade é um mal gerador de má qualidade 
 cultural de vida.

 Saúde mental é conseqüente à saúde cultural: apenas teoricamente ou em casos de exceção individual 
 ou de grupos humanos específicos se pensaria em pessoas mentalmente saudáveis criadas num 
 contexto culturalmente enfermo. Na tradição viconiana de pensamento há fundamentalidade da 
 imaginação ou força criativa de imagens e da memória ou força dinâmica documentadora da 
 experiência: numa cultura adoecida há corrupção e até negação da imaginação e a memória como 
 fontes da criatividade e da expressividade, forças políticas e pedagógicas formadoras de pessoas 
 mentalmente saudáveis.

 Saúde mental quer significar a formação e o desenvolvimento de conhecimentos e saberes, de 
 habilidades e competências humanas construtoras de uma vida mental saudável reconhecedora da 
 integralidade dos processos de vida humana, capaz de se desacorrentar das eurocêntricas e 
 tradicionais dicotomias, dualismos, doutrinas e conceitos incompatíveis com a história humana 
 nacional. 

 Saudável não quer significar as inúmeras teorias justificadoras dos conceitos abstratos de 
 adaptação, de equilíbrio, de saúde. Saudável é um estado de completude e não de perfeição; de 
 integralidade e não de fragmentação; de mudança permanente de um estado considerado bom para outro 
 melhor; de capacidade e de autonomia para desenvolver e atualizar atitudes, competências e 
 habilidades criadoras e promotoras de vida.

 Quanto ao conceito saúde do homem, as mulheres talvez dirão que nos últimos quatro mil anos não se 
 fez outra coisa além de construir mundo e conceitos sobre o homem; entretanto, essa história 
 masculina é de não cuidado do homem. Uma história de destrutividades, de crueldades, de maus tratos, 
 de produção de males; no Brasil milenarmente indígena até o início de um processo colonizador brutal 
 a partir de 1531 o que vemos é a instituição de um processo de violência histórica, sem solução de 
 continuidade até o presente momento.

 Por distorção sobre a significação de Política e Pedagogia, o horizonte da saúde a sinonimiza à doença 
 ou enfermidade; conseqüentemente, quando se discute saúde do homem enumeram-se distúrbios da 
 função sexual (disfunção erétil, problemas de ejaculação...), infecções do aparelho genitourinário, 
 cânceres (de próstata, de mama, de testículo, de rim, de bexiga...), condições anormais que afetam 
 testículos e pênis, doenças sexualmente transmissíveis, distonias e crise da andropausa. Ou seja, no 
 horizonte da atenção médica sabe-se prever, diagnosticar e  tratar distúrbios, transtornos e 
 disfunções da saúde do homem, mas quase nada existe sobre o cuidado do homem num horizonte além 
 da função sexual e da função reprodutiva.
 Quando se fala do homem adulto, reduz-se a saúde do trabalhador às doenças relacionadas ao mundo do 
 trabalho; com o homem idoso reduz-se a saúde do idoso às doenças relacionadas à velhice.
 O mundo dos conhecimentos instituídos sobre saúde dos homens tem sido de não cuidado, de atenção e 
 assistência médica aos agravos à saúde e doenças quando o assunto é saúde.
 O horizonte de estudos nominado Cuidado do Homem antecipa, inclui e ultrapassa os campos 
 de  saúde do homem, atenção e assistência à saúde do homem; e, ainda, naquele horizonte 
 penso em todas as possíveis dimensões interconexas em que a vida do homem se forma e se 
 desenvolve, separadas apenas por convenção didática
:

 -cuidado com a qualidade de vida socioétnica
 -cuidado com a qualidade de vida biogenética
 -cuidado com a qualidade de vida sociocultural 
 -cuidado com a qualidade de vida sociocognitiva 
 -cuidado com a qualidade de vida sociofamiliar
 -cuidado com a qualidade de vida sociopolítica
 -cuidado com a qualidade de vida socioescolar
 -cuidado com a qualidade de vida socioafetiva
 -cuidado com a qualidade de vida sociossexual
 -cuidado com a qualidade de vida socioreprodutiva.
 Todos os homens nascem em ambientes históricos pré-estabelecidos com os seus sistemas culturais, 
 sistemas de organização interna da sociedade e sistemas de organização externa da sociedade: esses  
 ambientes históricos são um mar empírico de história em que diferentes nações povos formaram os 
 seus sistemas ou conexões de fim. E esse mar empírico de história que se compõe e se desenvolve 
 como um tecido emaranhado de história é o gerador daqueles interconexos tipos de cuidado (ou de 
 não cuidado).
 Assim como não se concebe condição humana fora de uma sociedade, também não a concebemos fora do 
 corpo e fora da história: a condição humana é corpórea, social e histórica. E por tal condição humana 
 inúmeras situações humanas lhes são conseqüentes dentre as quais estão as que denomino situações de 
 cuidado e situações de enfermagem.
 Há uma diferença substancial quando me refiro a um mar empírico de história composto numa 
 situação de cuidado
e numa situação de enfermagem: a situação de cuidado é estabelecida mediante 
 situações de vida e em cenários de cuidado variáveis, por exemplo durante a criação de grupos de 
 cuidado; a situação de enfermagem ocorre mediante situações de vida relacionadas a agravos, riscos e 
 danos ao corpo de indivíduos, às suas vidas ou à qualidade de vida de grupos populacionais específicos.

Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 20/09/2007
Alterado em 20/09/2007


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr