GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos


Metafísica é o tipo de conhecimento humano, e portanto histórico – social - político, em que uma idéia, visão e concepção da vida e do mundo são arbitrariamente hegemonizadas e erguidas ao estatuto de universais; assim sendo, essa universalidade é a-histórica, a-social, supostamente não ideológica e não política.
Dito de outro modo e sinteticamente, Metafísica caracteriza o sistema filosófico de pensamento em que uma concepção de mundo e da vida é captada e fundamentada conceptualmente e elevada à categoria de validade universal.[i]
Conceitos metafísicos são os que não têm relação com a realidade histórico-social-humana-política: o racionalismo de Renato Descartes e o positivismo de Augusto Comte são expressões conceituais metafísicas, ainda vigentes, e derivadas de um determinado tipo de concepção filosófica de mundo – o Naturalismo.
Várias são as escolas de pensamento e os pensadores mais representativos do Naturalismo, desde o mundo grego: Demócrito de Abdera, Epicuro, Lucrécio, Thomas Hobbes, os Enciclopedistas do Iluminismo europeu, os Materialistas modernos (Augusto Comte e Ricardo Avenarius).
Os filósofos do Naturalismo, do qual o Iluminismo europeu é uma das elaborações sofisticadas, têm por características:
-conhecimento causalista;
-sensualismo é a raiz dominante de sua gnoseologia. Sensualismo é sistema filosófico de pensamento para o qual o processo de conhecimento ou de suas operações se reduzem à experiência sensível exterior e em que as determinações de valor e de fins estão sob o critério de valor contido no prazer e na dor sensíveis, ou seja, dos sentidos humanos;
-o materialismo é a sua metafísica;
-sua ética é hedonista. Hedonista refere-se à filosofia de Epicuro (342 ou 241 a.C – 270 a.C) e ao seu sistema filosófico de pensamento denominado Epicurismo, oposto ao Estoicismo fundado por Zenão de Citium (~336 a.C – 264 a.C);
-o conhecimento da natureza precede o estudo do homem (e da mulher);
-atêm-se à racionalidade matemática e ao experimento (repetição em laboratório sob condições controladas) para compreender o mundo físico e suas leis;
-a matéria é realidade absoluta: qualifica-se de materialismo se a matéria é a última substância do real e de positivismo quando a matéria é concebida como caráter fenomênico do real;
-o mundo é totalidade causalmente determinada e aonde não existem os conceitos de liberdade, valor e fim (teleologia);
-o homem (e a mulher) é traço e escravo da natureza, participando de sua estrutura legal;
-o físico (material) explica e subordina o espiritual;
-o comportamento naturalista (materialista ou positivista) perante o mundo é causalista.
Da concepção filosófica de mundo denominada Naturalismo (em suas vertentes de materialismo e de positivismo) procedem as arbitrariedades e as pretensões epistemológicas e metodológicas da racionalidade da Ciência Moderna, segundo a hegemonia das Ciências Experimentais: tais arbitrariedades e pretensões podem ser resumidas em traços principais:[ii]:62-8
-desconfiança e repúdio sistemáticos às evidências da experiência humana imediata, base do conhecimento chamado comum, popular ou vulgar;
-absoluta separação entre natureza e cultura ou natureza e humanidade; a pretensão é de domínio e de controle humanos da natureza através do modelo de pensamento e de ação das ciências naturais;
-confiança absoluta no dogma da certeza derivada do experimento ordenado;
-observação e experimentação (repetibilidade) são os fundamentos metodológicos desse tipo de conhecimento científico cujo instrumento de análise e lógica da investigação são as idéias matemáticas;
-conhecer e conhecimento científico significam quantificar, reduzir a complexidade pela divisão e classificação seguidas da determinação das relações sistemáticas entre o que foi arbitrariamente separado;
-o tipo de conhecimento científico da ciência insustentável é causal e formulador de leis (generalizações) a partir da observação de regularidades e com o objetivo de prever comportamentos dos acontecimentos (fenômenos);
-o princípio da causalidade na ciência moderna (ou insustentável) limita-se à causa formal; interessa-se no modo de funcionamento da coisa; irrelevantes e desprezíveis são a causa material, a causa eficiente e a causa final. Retomando Aristóteles, causa material responde à questão de que foi feito a coisa, a causa formal responde por que é isto e não aquilo, a causa eficiente responde por quem foi feito, a causa final responde para que foi feito;
-o tipo de conhecimento fundado em leis (generalizações) tem por pressuposto a idéia de ordem e de estabilidade das coisas; o passado se repete no futuro;
-o horizonte do tipo de conhecimento fundado em leis é o determinismo mecanicista pelo qual o conhecimento é utilitário e funcional com capacidade para dominar (controlar) e transformar; é o campo limitado pela chamada racionalidade cognitivo-instrumental;
-o modelo (insustentável) de conhecimentos das ciências experimentais é universalmente válido e o único válido; portanto, somente a esse modelo se dá o nome de conhecimento científico – um conhecimento mínimo e, portanto, limitado e insuficiente.
Com tais características da Metafísica do Naturalismo nas Ciências Experimentais ergueram-se os metafísicos conceitos de saúde, de doença, de cuidado, com seus discursos e suas práticas não menos metafísicas e geralmente hegemonizadas nessa ou naquela disciplina científica, nesse ou naquele momento político restrito a tipos de Estados e governos.

 
 
[i]DILTHEY, Wilhelm Guillermo. La Esencia de la Filosofia. Buenos Aires: Losada. 1952
[ii]SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Volume 1. 4. ed. São Paulo: Cortez. 2002
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 26/07/2008


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