GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos


Espiritualidade é vivência de desenvolvimento íntimo.

Vivência é o imediato, não reflexivo, extra-racional (sem ser irracional), transcendente aos limites humanos de um tipo de lógica mecânica, matemática, instrumental; a vivência transforma-se em experiência vivida se houver atividade reflexiva, acentuadora da vivência.

Desenvolvimento significa diferenciação e aperfeiçoamento sem traduzir as noções lineares de evolução e de progresso.

Íntimo e intimidade superam o dualismo entre experiências interna e externa, público e privado, interior e exterior.

Espiritualidade traduz-se sempre num processo de mudança e não um processo de adaptação, de equilíbrio beirando à noção de estagnação ou de linearidade; nesse sentido, espiritualidade é uma utopia.

Utopia é palavra inventada por Thomas Morus: utopia é poiésis no sentido arcaico e grego de poiésis, ou seja, ação criadora, produtora de algo fora do sujeito criador ou produtor ou de sua atividade, ao contrário de práxis, ou seja, uma ação não criadora ou produtora de objeto alheio ao sujeito ou à atividade do sujeito(1). Conforme se verifica, houve uma troca conceitual entre atividade poiésica (ou poética) e atividade práxica. Nesse sentido, utopia é ação e não uma ilusão ou um sonho.

Pierre Fourier(2) enumera alguns tipos de utopia segundo a própria qualificação da atitude utópica como:
-técnica intelectual, ou seja, maneira de pensar, de imaginar (arte de criar imagens) modificações possíveis sobre algo. Aqui, utopia é abertura de novas perspectivas;
-exercício intelectual, ou seja, atividade mental sem função social propriamente dita e com funções propedêuticas e formais;
-atividade gestora, ou seja, conecta ação técnica intelectual e exercício intelectual para modificar o status quo.

"A utopia é uma maneira de preparar a opinião pública para certas realidades possíveis".

Espiritualidade e utopia se interconectam quando as entendemos na categoria de ações possíveis (e incomuns) de vivenciar e de experienciar realidades não lineares e geralmente não perceptíveis ao cotidiano da vida de pessoas e de coletividades. Eis a função educativa, pedagógica, social, revolucionária tanto da espiritualidade quanto da utopia: sua teleologia é criar algo além, diferente do que está posto; nesse caso, sem espiritualidade e sem utopia não há desenvolvimento humano.

(1)VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1977; ps.5,6
(2)FURTER, Pierre. Educação e reflexão. Petrópolis: Vozes. 1966; ps.33-47
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COMO CITAR ESTE TEXTO:
FERNANDES, Carlos Roberto. Espiritualidade e utopia. Recanto das Letras. Disponível em
www.carlosfernandes.prosaeverso.net
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Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 16/01/2009


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