Um dos conceitos de processo de cuidado, abaixo transcrito, revela a
ruptura epistemológica do processo de cuidado com os saberes e as
práticas inspiradas na Clínica tradicional ou oficial e centradas no
denominado modelo biomédico:
"É um processo flexível, dinâmico, complexo, social, histórico, reflexivo, que se
constrói a partir das interações entre os seres humanos, no qual quem ensina
aprende e quem aprende ensina, havendo troca de conhecimentos e experiências
mútuas, uma vez que cada ser que interage, o faz com suas idéias, valores, atitudes e
experiências. É um processo estético, ético, criativo, que possibilita ao ser humano
diverso e singular, no âmbito individual e coletivo, o desenvolvimento de suas
potencialidades, podendo atingir autonomia sobre suas ações, tornando-se sujeito
das situações vivenciadas. Pode ser terapêutico, pois facilita o enfrentamento de
situações de estresse e crise, favorecendo viver de forma saudável [...] É um processo,
no qual se estabelecem transações para o alcance de metas, com participação ativa
dos envolvidos, no qual aqueles que participam desta experiência crescem
pessoalmente e transformam a si e ao meio em que estão inseridos, Finalmente, é um
processo que envolve e exige disponibilidade, respeito, capacidade de ouvir,
afetividade, confiança, alegria, sensibilidade, compromisso e responsabilidade".(1)
Primeiro: rompe com a rigidez e a esterilidade da concepção de
método científico-experimental ou mecânico-matemático preso a uma
concepção naturalista, materialista e positivista – e não positiva - de
ciência.
Segundo: rompe com metodologias e métodos a-históricos, a-sociais,
a-críticos, a-reflexivos.
Terceiro: rompe com a pretensão de saberes superiores prévios a
serem aplicados a alguém ou a uma comunidade desprovida de
saberes;
Quarto: rompe com a frieza, distância e suposto profissionalismo
científico desqualificador do processo de interação terapêutica entre
profissionais cuidadores e pessoas cuidadas;
Quinto: reconhece a dinamicidade do processo de interação
terapêutica entre cuidadores e pessoas cuidadas conjuntamente
responsáveis pelo desenvolvimento do processo;
Sexto: conhece, reconhece, respeita, utiliza e co-participa dos
conhecimentos, saberes e práticas das pessoas e das comunidades de
pessoas, sem a dicotomia desqualificante entre saber acadêmico e
saber popular;
Sétimo: reconhece e valoriza as experiências mútuas entre cuidadores
e pessoa ou comunidade cuidada, co-produzindo saberes
proporcionadores de desenvolvimento (diferenciação e
aperfeiçoamento) da vida individual e coletiva;
Oitavo: é um processo estético e não meramente técnico; a técnica é
um instrumento integrante, às vezes acessório, do processo de
cuidado e jamais um instrumento essencial;
Nono: é um processo ético.
Décimo: é um processo criativo respeitante e consolidador das
capacidades das pessoas e das comunidades de criar situações e
condições de vida individuais e coletivas plenas, saudáveis,
qualificantes; não é meramente reprodutor de coisas e saberes
consolidados e validados.
Décimo primeiro: é um processo terapêutico aliviador ou curativo,
autônomo e independente de quaisquer outros conhecimentos ou
tecnologias de outras ciências;
Décimo segundo: é um processo afetivo, sensível;
Décimo terceiro: é um processo modificador das noções e práticas
profissionais (sejam diagnósticas ou terapêuticas);
Tanto do ponto de vista diagnóstico quanto do terapêutico, as
características elencadas do processo de cuidado revolucionam a
concepção oficial ou tradicional de Clínica tanto quanto os estudos de
Enfermagem sobre processo de cuidado revolucionam a abordagem
do atual conceito de processo saúde-doença – o que me leva a
proposição do PROCESSO SAÚDE-DOENÇA-CUIDADO cujos marcos filosófico e metodológico foram fundados por FLORENCE NIGHTINGALE.
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(1) ZAMPIERI, Maria de Fátima Mota. Vivenciando o processo educativo em enfermagem com gestantes de alto risco e seus acompanhantes. In: Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v.8, n.1, p.203-221, jan/abr. 1999.