GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos


ANDRARCATERAPIA é terapia do cuidado para orientação do púbere e adolescente do sexo masculino à primeira experiência consciente de ejaculação e de orgasmo. A essa primeira experiência consciente nomeio ANDRARCA.

A ausência ou presença distorcida do pai na educação sexual dos filhos é um problema de consequências quase imprevisíveis para a maturidade sexual, corporal, emocional e afetiva: com uma tradição de desinformações e de preconceitos, a criança do sexo masculina é relegada às experiências sexuais e afetivas precoces ou equivocadas, nas quais os orientadores são, geralmente, colegas mais próximos tão desinformados ou equivocados quanto o próprio orientando ou às aberrações da mídia televisa, escrita ou computadorizada.

A indiferença ou irresponsabilidade paterna pela educação sexual dos filhos responde pelas Pedagogia do Bombeiro e Pedagogia da Avestruz:
[1] a primeira refere-se às inibições e às mistificações paternas na deseducação sexual e a segunda pelo fingimento de que está tudo normal.

A educação sexual envolve aconselhamento, acompanhamento, proteção e promoção de crianças e adolescentes do sexo masculino para uma vida genital, sexual e afetiva saudável, sem libertinagem – fruto da indiferença paterna - e sem castrações psicocorpóreas – também fruto da ignorância ou dos problemas sexuais dos pais.

Na Civilização Indígena, por exemplo, todos os eventos da vida individuocoletiva são celebrados, envolvendo mitos, ritos e rituais: a Arte Indígena Celebrativa é a instituição de cuidado com o cotidiano no qual se festejam inúmeras passagens da vida individual, tais como nascimentos, núpcias, nubilidade das moças, o ingresso dos rapazes no mundo dos adultos, a morte; além destas, existem as artes celebrativas religiosas (as estações, as colheitas, as pescarias) e as guerreiras (vitórias sobre etnias adversárias).

Na Civilização Indígena, após a parturição e no processo de crescimento e de desenvolvimento da pessoa, os momentos da vida são vivenciadas em, pelo menos sete idades, cada uma delas envolvendo ritos e rituais especiais de separação e de integração. Ao rever as idades da vida indígena, reconheço um paradigma civilizatório de Pedagogia e de Educação a ser aprendido pela contemporaneidade:

- Primeira idade: do nascimento até o início da deambulação; nessa fase, a criança é nomeada peitan (corresponde ao chamado lactente).

Por testemunhos inquestionáveis, tais como Orlando Vilas Boas, a criança indígena sai do colo da mãe e quase não engatinha porque, desde o nascimento, é integrada à vida cotidiana da comunidade não se apartando da mãe que vai para as roças trabalhar levando-a sob o sistema hoje conhecido como mãe canguru. Com este hábito da mãe indígena canguru mantém-se, além de um sistema permanente de proteção, um sistema permanente de socialização e de afetividade corpo-a-corpo.

Os recém-nascidos da etnia Cariri, por exemplo, passam por dois ritos: são lavados com água de cozimento de caça para que assim se tornem bons caçadores; são banhados no rio como ritual de boa colheita.
[2]

Nessa mesma fonte de informações, registra-se que o pai, após o primeiro dia pós-parto da mulher, abstém-se de vários alimentos como ritual para manter a saúde do filho.

Se a mulher indígena pare um homem, o cordão umbilical é cortado pelo pai; logo após o nascimento, o pai estabelece o couvade ou período de resguardo, durante o qual recebe alimentação especial, presentes, visitas e mimos. Tais ritos expressam o papel ativo e cuidador do pai no processo de engravidamento e no processo de parir.

Na etnia Xavante a criança masculina com um ano e meio ou dois é nomeada watebremi.

-Segunda idade: da criança que já anda sozinha até os 7 ou 8 anos de idade. Nessa etapa a criança é chamada Kunumy-miry ou rapazinho, aonde está aprendendo com os homens e as mulheres mais velhas as artes de viver em comunidade. Pais, avós, tias, primos, irmãos e cunhados são os responsáveis pela fase inicial da educação para a vida e para a vida comunitária do rapazinho.

-Terceira idade: entre 8 e 15 anos de idade, sendo o período da mocidade aonde o moço se chama Kunumy. É nessa fase em que os homens ficam com os pais e não com as mães, aprendem a caçar e a pescar para a família sem o recebimento de ordens para fazê-lo.

Na etnia Xavante, a criança masculina com nove ou dez anos de idade é chamada wapté.

Os povos Cariri realizam o ritual de passagem para a idade Kunumy reunindo os meninos de 10 anos, seus amigos e o orientador de sua tribo: o amigo mais velho ergue o menino e, enquanto o mantém suspenso, os outros amigos perfuram o lóbulo ou parte inferior de cada orelha aonde introduzem pequenos paus anteriormente preparados e, também, perfuram o lábio inferior acima do queixo para introduzir uma pedra verde, branca, preta ou colorida. Esses são os sinais no corpo (mecá) da virilidade do Kunumy.

A perfuração da orelha dos guerreiros e a marca no lábio inferior eram feitas com osso (kibú). A ligação dos povos Kariri com ossos está no seu emprego como ferramenta perfurante, como pincel para pintura e acessório ornamental como para alimentação.

Uma alimentação ritual dos povos Cariri é ingerir os ossos de mortos distintos: após queimação e pisamento, os ossos são reduzidos a pó e, misturados com farinha, servem de alimento. É um rito de incorporação da distinção do morto e de eternização do mesmo naqueles que comem os seus ossos preparados.

-Quarta idade: entre 15 e 25 anos e, corresponde à adolescência, o Kunumy passa a chamar-se Kunumy-uaçu. Nessa etapa, o Kunumy-uaçu está totalmente integrado à comunidade, tudo divide com os mais velhos com quem conversam, convivem e respeitam, trabalhando mais intensamente para ajudar os pais no cotidiano.

- Quinta idade: entre 25 até a morte e é a idade adulta do homem, nomeado de Aua.
Yves de Evreux, em sua "Viagem ao norte do Brasil" dá continuidade classificatória das etapas da vida indígena, pela qual a quinta idade irá dos 25 aos 40 anos de idade:

- Sexta idade: dos 40 ou 45 anos até a morte, na qual os homens maduros foram nomeados de thuyuar e as mulheres maduras de uainuy.
Pode-se considerar a madureza indígena dos 40 ou 45 aos 60 anos de idade e a velhice ou ancianidade a partir dos 60 anos até a morte, levando-se em conta os vários relatos e testemunhos sobre a longevidade indígena. Nesse caso, há que se sugerir mais uma idade:

- Sétima idade: dos 60 anos até a morte, ou seja, a velhice.

 
A andrarcaterapia acontece, em geral, na terceira idade (dos 8 aos 15 anos de idade, segundo a Civilização Indígena) e o que precisamos aprender com os povos indígenas é que exatamente nesta fase de idade, o menino está (ou deveria estar) sob a proteção do seu pai – o responsável direito pelo acompanhamento do moço para a futura vida de homem maduro. É a essa proteção e acompanhamento que chamo de responsabilidade paterna.

Na adolescência indígena, o moço está totalmente integrado à sua comunidade, ou seja, possui responsabilidade comunitária ou responsabilidade social, além de um fundamento conhecimento das tradições de seu povo – um exemplo e uma advertência para os jovens em geral que, na adolescência à moda européia, estão marcadamente egocêntricos, egoístas, rebeldes, sem senso de responsabilidade social, retaliados por ritos e rituais sem fundamento integrador de suas personalidades já deformadas e, não raro, criminosas. Essa deformação é tão grave que o apelido usado para adolescência é aborrecência: em verdade, ao chegar à adolescência o rapaz expressa todos os valores educativos ou deseducativos que aprendeu durante a infância.

Os problemas do adolescente estão diretamente relacionados com a imprudência, a negligência e a omissão de pais e de mães na educação de seus filhos desde o nascimento até a nova fase de desenvolvimento: não havendo uma estrutura saudável de educação moral, de educação afetiva e de educação cultural, desde o nascimento, dificilmente o rapaz e o moço desenvolverão mais amplos valores morais, afetivos e culturais no início da vida adulta.

O adolescente indígena, não contaminado pelos padrões deformantes das culturas não indígenas, está individual e socialmente distante dos transtornos relacionados à baixa ou perturbada auto-estima, dos conflitos decisionais particularmente relacionados com atividade sexual, dos distúrbios da imagem corporal, dos criminosos riscos de intoxicação relacionados com o abuso de substâncias, das distonias decorrentes de isolamento social, da ignorância sobre o modo de manutenção da saúde, do possível risco de trauma relacionado com sentimentos de invulnerabilidade pessoal, dos agravos e risco de violência autodirigida ou direcionada aos outros.

O primeiro orgasmo, portanto consciente, decorre geralmente de prévia excitação e de auto-erotismo: a masturbação. Excitação e ejaculação podem ocorrer muito antes sem que haja, entretanto, a experiência do orgasmo pois que uma criança não tem ainda experiência de vida para atingir o orgasmo.

A primeira masturbação talvez ocorra estando o moço ou o rapaz (adolescentes) sozinho, com colegas da mesma idade ou com pessoas do sexo oposto; ainda, talvez, esse primeiro orgasmo já aconteça numa relação sexual, estando ou não o menino conscientemente preparado para um evento de tal responsabilidade: sem uma prévia formação mental, cultural, afetiva e moral – iniciadas desde o berço – disfunções e distonias imprevisíveis despontarão após a fase de criança.

Na atualidade e sem ter a educação indígena como paradigma civilizatório e integrado, particularmente os homens chegam à adolescência problemas de identidade corporal, de identidade de gênero, de identidade genital, de identidade sexual: as deseducações sexuais dos pais, junto aos mecanismos sociais desintegradores, enfrentam tais problemas com uma cultura de hipocrisia, de cinismo ou de indiferença oferecendo aos filhos impotentes (sem capacidade para) enxurradas de inutilidades que mais os bestializam – tais como revistas de sexo ou de nus, encontros sexuais desintegrantes e irresponsáveis, filmes e outros recursos imbecilizantes de sexo genital insatisfatório, prematuros e inconseqüentes estímulos a namoros. De outro modo, fingem a não-existência de problemas ou deixam os filhos sob a orientação de pessoas e de profissionais tão ou mais desintegrados quanto eles mesmos.

A Andrarca é um fato natural dentro do período denominado adolescência: a Saúde do Adolescente ou, conforme prefiro, o Cuidado de Enfermagem na Adolescência não se referencia pelos saberes e práticas da Hebiatria – conquanto dialogue com o mesmo.

Hebiatria é especialidade médica, inventada em 1951 no Hospital Infantil de Boston.

No campo da andrarcaterapia, os terapeutas do cuidado retomam seu lugar abandonado e conhecido como Enfermagem Escolar ou Cuidado de Enfermagem Escolar: as ações de cuidado integradas à vida escolar da criança poderiam ser estratégicas para orientação e acompanhamento de pais e de filhos, notadamente quando estes últimos chegam à fase da adolescência - hoje, cada vez mais precoce.

Aprendendo com os erros do passado em que se fomentou oficialmente uma educação corporal e educação sexual castradora e centrada na doença, somando-se à aprendizagem com os erros fomentados por uma educação libertina ou sem responsabilidade, o terapeuta do cuidado na Enfermagem Escolar poderia contribuir, e muito, para um saudável crescimento e desenvolvimento infanto-juvenil.

A ação do terapeuta do cuidado na Enfermagem Escolar deveria centrar-se na sexualidade e não nos problemas da sexualidade, na vida sexual saudável e não nos distúrbios do sexo, na vida afetiva saudável e não nos transtornos da afetividade, na aprendizagem e não nos distúrbios da aprendizagem.

 


[1]NUNES, César; SILVA, Edna. A Educação sexual da criança. Campinas: Autores Associados. 2000; p.3
[2]SIQUEIRA, João Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Cátedra. 1978.
 
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 01/08/2009
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