GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos

 Concepções de mundo são sempre concepções históricas: não são uma construção do   pensamento, mas uma plasmação, uma formação, desenvolvidas no curso histórico de vida da pessoa ou das coletividades; não se originam, pois, seguindo os fundamentos do Sistema de Dilthey, de uma “vontade de saber” e “vontade de conhecer”, mas do próprio mar empírico da história em seu tecido emaranhado.

 Das concepções de mundo nascem os sistemas culturais, os sistemas de organização interna da sociedade e os sistemas de organização externa da sociedade. Esses sistemas tem as suas raízes nas trajetórias e memórias das pessoas, criadoras daqueles sistemas, segundo as suas concepções de mundo particulares.


 Ainda segundo o Sistema de Dilthey, as concepções de mundo, expressando a multiplicidade de aspectos do mundo histórico e segundo o entendimento de cada um que as forma, condicionam-se de acordo com cada nação, raça, clima, estados de governo, limites e diferenças de épocas e momentos históricos; daí, a arbitrariedade das generalizações nas ciências experienciais (ou humanas e sociais) e o erro de se defender sistemas globais de pensamento e de ação.


Para Dilthey (1986), sistemas são conexões de fim, nexos finais; um ou alguns deles, em momentos historicamente determinados, ganham momentos de legalidade, prevalecendo essa ou aquela concepção de mundo.


 Na verdade, sistemas são memórias de concepções de mundo.


 Tanto os sistemas quanto as concepções de mundo são memórias de trajetórias de vida, ou seja, historiografias ou, apesar do pleonasmo, memórias de histórias.


As historiografias ou memórias de trajetórias incluem situações humanas de não cuidar do corpo, da vida, da saúde, resultando em agravos e fragilidades, carências e sofrimentos: são memórias de não cuidado ou expressões do não-cuidado; de igual modo, incluem modos, processos, ações com que as pessoas e as comunidades cuidam ou não cuidado, percebem e interpretam aquelas expressões de cuidado ou não cuidado. Daí, originam-se as concepções de cuidado, as concepções de enfermagem e os tipos de enfermagem tão variados quantas forem as trajetórias de vida e memórias do cuidado e do não cuidado de quem organiza aquelas concepções em sistemas: evidências dessa variedade são as múltiplas controvérsias declarações sobre o que é enfermagem.


Repetindo: tanto quanto as concepções de mundo e os sistemas de pensamento, as concepções de cuidado e as concepções de enfermagem são memórias de trajetórias de vida (historiografias) de seus formuladores; assim sendo, em momentos históricos específicos, pessoas se agrupam com motivos e metas determinadas e formam associações particulares de atenção aos agravos à vida e aos agravos à saúde em suas comunidades. Tais associações baseiam-se nos aspectos comuns das concepções de mundo das pessoas associadas: são os sistemas de associações particulares das comunidades, no caso, organizações de enfermagem, religiosas e laicas, estudáveis tanto na história do Brasil, antes e depois da invasão e conquista lusitana, quanto na idade média européia. As obras de Jamieson (1968) e de Collière (1999) explicitam tais organizações européias, algumas masculinas, outras femininas, algumas militares, outras civis e religiosas.


Abrindo um parêntese, a expressão organizações de enfermagem refere-se, hoje, aos órgãos culturais, fiscalizadores e normatizadores da enfermagem; nesse texto, o sentido é o de associações e agrupamentos de pessoas com fins comuns.

De igual modo, em momentos históricos determinados, surge uma pessoa ou grupo de pessoas que: primeiro, estrutura(m) em sistemas de pensamento concepções de cuidado e concepções de enfermagem dispersas, tendo ou não vínculos com as organizações de enfermagem existentes; e, segundo, com ou a partir dessas organizações, cria(m) sistemas de pensamento e até sistemas de organização interna e externa da sociedade, com relação às atenções àqueles agravos à vida e agravos à saúde.


Na atenção aos agravos, pode ou não haver um momento de legalidade desse ou daquele sistema, dessa ou daquela organização de enfermagem: o sistema pedagógico nightingale, a versão desse sistema nos Estados Unidos da América do Norte e a implantação dessa versão no Brasil, são exemplos daqueles momentos de legalidade.


Outros sistemas, outras concepções de cuidado e concepções de enfermagem podem, então, ficar na clandestinidade, sofrer silenciamentos, não atingirem momentos de legalidade, segundo determinadas razões de Estado ou, também razões de sociedade.


Por tantas associações européias, estudáveis na idade média, tem-se as enfermagens dos gregos, as enfermagens militares masculinas, as enfermagens das ordens religiosas masculinas e femininas, as enfermagens domiciliares, as enfermagens hospitalares; da mesma forma, há as enfermagens ameríndias, jesuíticas, jesuítico-indígenas, afro-indígenas-brasileiras. Todas essas enfermagens são modos de cuidar dos agravos à vida e à saúde, presentes em cada uma daquelas comunidades, povos ou países, não podendo se encaixar numa concepção sociológico-evolutiva da enfermagem nem no sistema filosófico nursing nightingaleano.


Cada uma das enfermagens expressa um mar empírico de história, dentro da história de várias comunidades, povos, momentos diferenciados, com motivos e metas quase sempre contrapostas: são trajetórias e memórias de corpo múltiplas, diversas, às vezes incompatíveis umas às outras. Daí, a multiplicidade de concepções de cuidado e concepções de enfermagens, o dissenso sobre objetos e campos de ação da enfermagem: não se pode abarcar sob o nome enfermagem tão contrapostas e múltiplas enfermagens; o menos errado é falar em modos de enfermagem, concepções de enfermagem, modelos de enfermagem.

@s pesquisador@s[a] não críticos, diante da multidiversidade de trajetórias e memórias de corpo, geradoras de diversas e contrapostas concepções de cuidado e concepções de enfermagem, buscam uma linha evolutiva dos mesmos, enfeixando-os num único sistema enfermagem que, em suma, não abarca a multidiversidade de concepções. Na ânsia da busca, utilizam-se de todas as possíveis bases teórico-metodológicas de outras ciências, o que nulificou até hoje o salto para a formação e o desenvolvimento de uma Ciência do Cuidado e comprometendo a prática da pesquisa de enfermagem sobre a própria enfermagem.]

Consequentemente, sem definir o conceito enfermagem, inúmer@s pesquisador@s produziam inúmeras declarações assistemáticas tidas por conceitos de enfermagem, cada qual segundo o seu referencial teórico-metodológico extrínseco à própria Arte de cuidar ou, ainda, segundo três concepções sobre o que caracterizaria a disciplina de enfermagem: uma disciplina prático-técnica, uma disciplina científica e uma prática social.

 
A - O TIPO disciplina prático-técnica

O primeiro tipo geral de enfermagem afirma que o seu estatuto é o de disciplina prático-técnica sem objeto fundante, compatível a todas as vivênvicas-experiências históricas que construíram concepções de enfermagem como dom, sacerdócio, prática de amor e sacrifício ao próximo, trabalho hospitalar de cuidado aos enfermos, prática tecnica suplementar, profissão de mulheres, prática auxiliar chefiada pelo médico.

Se a enfermagem é uma disciplina prático-técnica, sem objeto fundante pode-se estudar todos os possíveis objetos de saber existentes, criados, inventados ou construídos, à medida em que a prática profissional, os projetos governamentais ou a vontade d@ pesquisador@ assim exigir ou quiser. Daí, qualquer base teórico-filosófica, metodológica e científica servirá, dependendo daquelas exigências ou vontades. Trata-se da corrente d@s pesquisador@s epistemologicamente mutáveis.

A corrente d@s pesquisador@s epistemologicamente mutáveis é um sintoma do que Dilthey (1949, p.41) define por anarquia epistemológica: "os sistemas acham-se atravessados de contradições e de conclusões falsas; têm selecionado um aspecto das coisas e eliminando os demais [e,] em lugar de ver as coisas como são, [ocultam suas contradições e falsidades] por detrás de uma mera seriação dos sistemas ou detrás de uniões lógicas artificiosas e extrínsecas."

A anarquia epistemológica vem expressa no que se convencionou chamar corpo de conhecimentos, fundamentador da disciplina prático-técnica enfermagem.

O corpo de conhecimentos quer referir-se ao conjunto de saberes selecionados de vários campos epistêmicos, recortados, reproduzidos ou utilizados por analogias e ressignificações, trazidos para a enfermagem: uma espécie de colcha de retalhos produzida dos recortes e reproduções dos saberes biomédicos ou de outras áreas epistêmicas na enfermagem.

O suposto corpo de conhecimentos dificilmente consolida uma ciência da enfermagem: os conhecimentos de outros campos de saber, desarticulados de seus contextos para formarem um corpo de conhecimentos, fora daqueles campos, podem validar a existência de uma prática profissional, um serviço, um trabalho; no entanto, não dão estatuto de ciência a essa profissão, serviço, trabalho.

As raízes históricas do tipo de enfermagem como disciplina prático-técnica estão nas ações sociais –leigas ou religiosas- engendrantes do modelo religioso de enfermagem cuidadora dos enfermos. Daí, a criação brasileira do nome enfermagem, considerando-se a colonização do Brasil, do século XVI ao XX, dirigida ou influenciada pelo catolicismo: fazer enfermagem no Brasil ainda mantém, no século XXI, a arraigada concepção de cuidar dos enfermos num hospital – extensão da caridade e do assistencialismo sócio-religioso marcados pelas idéias de altruísmo.

A sofisticação do tipo de enfermagem como disciplina prático-técnica é a defesa do tipo de enfermagem como disciplina técnico-científica, às vezes limitadamente nomeada de Enfermagem médica, Enfermagem hospitalar, Enfermagem clínica: é o campo engendrador das especializações de enfermagem, fundadas em especialidades médicas.
 
Noutras palavras e ratificando: historicamente, a consolidação da disciplina prático-técnica ganha um estatuto de disciplina técnico-científica pelo advento dos especialistas de enfermagem: apesar desse estatuto, dominado pelo pensamento biomedicino e restrito às especialidades da medicina, não há alteração do caráter de disciplina prático-técnica, cientifizada, mas predominantemente restrita à enfermagem hospitalar.
 
B – o tipo prática social

O segundo tipo de enfermagem é o pertencente a pesquisador@s auto-nomead@s materialistas, para @s quais a enfermagem é uma prática social, um trabalho mais que um serviço especializado.

 A prática de enfermagem, ideológica e historicamente é defendida como um dom, uma vocação, um sacerdócio, um serviço suplementar-complementar ao trabalho médico; daí, o tipo de enfermagem prática social, trabalho, é, inegavelmente, um avanço histórico, iniciado a partir dos anos da década de 1980, no Brasil.

@s pesquisador@s materialistas estão, em geral, no campo da Saúde Coletiva e, também, da chamada Enfermagem Comunitária, Enfermagem de Saúde Pública e discutem os modos, forças e processos de trabalho; muitos dess@s pesquisador@s voltam-se para o referencial teórico do materialismo histórico e para o referencial metodológico da dialética. 

No tipo de enfermagem com o estatuto de prática social há certa unidade em torno de uma tradição político-crítico-social que dá ênfase às formações históricas de processos facilitadores de saúde ou promotores e desencadeadores de agravos e fragilidades, carências e sofrimentos, socialmente construídos e condicionados aos diferentes modos e relações de produção, forças produtivas e tecnologias de trabalho.

@s pesquisador@s do tipo de enfermagem como prática social enfermagem não se enfeixam num sistema único de pensamento, apesar do vínculo ao materialismo histórico; tendo por ênfase as micro-estruturas organizacionais em que a prática de enfermagem se expressa, parecem vincular-se aos sistemas de organização externa da sociedade: no caso, trata-se, por exemplo, das organizações setoriais das especialidades da enfermagem hospitalar e suas micro-unidades, dos centros de saúde e suas micro-unidades. São as micro-sociedades ou as micro-estruturas formadas dentro da estrutura organizacional maior (a instituição) que, por sua vez, está dentro da macro-estrutura, representada pelo Estado e por ele controlada.

A consciência crítica, a consciência política, a consciência social, a consciência coletiva da enfermagem têm nesse tipo de enfermagem a sua maior fonte reflexiva, muito embora existam limites auto-impostos:
-primeiro, subordinação aos modelos de organização do setor e da sociedade em geral;
-segundo, adoção dos saberes, das práticas e, inclusive dos nomes, em que a medicina repensa a prática médica e formula novos modelos para a organização do setor saúde. Enfermagem preventiva-comunitária-social-de Saúde Pública-de Saúde Comunitária-de Saúde Coletiva, erroneamente sinonimizadas, nada mais são que transliterações dos tipos de medicina preventiva/comunitária/social-previdenciária-sanitarista em suas reorientações históricas geradoras da Reforma Sanitária e do próprio campo Saúde Coletiva.
 
 
C – O TIPO disciplina científica

O terceiro tipo de enfermagem relaciona-se com @s pesquisador@s em busca de um objeto da enfermagem, sem que haja, até o momento, um consenso sobre o mesmo. Esse tipo de enfermagem está presente nas concepções de enfermagem apresentadas: ciência humana, ciência aplicada, ciência social, disciplina prático-clínica, Arte e Ciência, Ciência do Cuidado ou do Cuidar e Enfermagem como subcampo especial da Ciência do Cuidado.

Em quase tod@s ess@s pesquisador@s, há a mesma vastidão de referenciais teórico-metodológicos e paradigmas filosófico-científicos; a diferença é que buscam um corpo de conhecimentos específicos de enfermagem. Ainda assim, podem ser chamados de pesquisador@s epistemologicamente indiferentes.

Outra constatação é que, nessa concepção, são rar@s @s pesquisador@s da enfermagem que desenvolvem, sistematicamente, o objeto proposto por eles mesmos: pesquisadores do cuidado são uma das exceções quanto ao não desenvolvimento sistemático, apesar das confusões sobre o que são atos de cuidar, processos de cuidar e cuidado e da profusão de concepções de cuidado sem desenvolvimento de uma Ciência do Cuidado.

Na concepção de enfermagem com pretensão de disciplina científica, @s pesquisador@s parecem aproximar-se da tese da diversidade complementar de paradigmas, sumariamente discutida por Santos Filho (2001, p.48): nessa tese, a tendência “é ‘desepistemologizar’ o debate ou ignorar as diferenças paradigmáticas”.

Reafirmo que se os pesquisadores da enfermagem tendem a ignorar diferenças e desepistemologizar seus discursos, declaram-se isentos de estatuto epistemológico: essa isenção invalida o desejo de consolidação da disciplina científica enfermagem, pois uma disciplina científica forma seu objeto fundante de estudo e seu campo epistêmico.
 
E mais: uma disciplina científica não poderia, a meu ver, considerar-se, ao mesmo tempo, uma ciência hermenêutica, social, natural, biológica, médica ou biomédica, da saúde.

Sem eximir o esforço do pesquisador em conhecer, o mais amplamente possível, todas as áreas de conhecimento humano, uma disciplina científica não é uma poli-disciplina ou uma poli-ciência, cujas bases são recortes de todos os conhecimentos possíveis de ciências diversas e, às vezes, epistemologicamente contrapostas.
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Os três tipos gerais de enfermagem são, em última análise, expressões históricas de concepções de mundo, concepções de enfermagem e concepções de cuidado, irredutíveis umas às outras: a diferenciação entre pesquisador@s epistemologicamente mutáveis, indiferentes e materialistas, fala de três concepções e fundamentos de pesquisa, senão contrapostos, no mínimo, com focos, alcances e motivos diversos, geradores, em suma, de três tipos de enfermagem, perceptíveis @s pesquisador@s crític@s.

A diferença entre as concepções inicia-se com o fato de que no tipo disciplina prático-técnica não se busca objeto fundante, mas constróem-se variáveis objetos de estudo; no tipo prática social não se busca objeto fundante, apreendendo-se objeto(s) de estudo no processo de trabalho de enfermagem; no tipo disciplina científica se busca um objeto fundante epistemológico. Portanto, as bases epistemológicas de cada uma dessas concepções são diferenciadas.

 Os conteúdos do serviço prático-técnico estão nas organizações internas da sociedade (por exemplo, as diversas organizações de enfermagens, historicamente estudáveis), constituidoras dos conteúdos práticos; os conteúdos da prática social estão nas organizações externas da sociedade, exemplificadas pela rede de serviços do Estado de atenção aos agravos à saúde (centros de saúde, hospitais, ambulatórios...); os conteúdos da disciplina científica estão nas trajetórias dos terapeutas do cuidado, formadoras de memórias de corpo das quais o sistema filosófico nursing nightingaleano e o sistema de enfermagem assistencial são exemplos.

Na prática profissional, as memórias de corpo d@s terapeutas do cuidado fixam-se em sistemas de organização interna da sociedade, cujas expressões são as enfermagens populares, sobre as quais se constituíram aquelas práticas profissionais; na prática social, a memórias de corpo d@s terapeutas se expressam e se fixam em sistemas de organização externa da sociedade, exemplificados pela enfermagem de saúde de pública, enfermagem comunitária, enfermagem hospitalar, enfermagem de saúde coletiva; na disciplina científica, @s terapeutas do cuidado expressam e fixam suas memórias de corpo em sistemas culturais, exemplificados pelo sistema filosófico nursing, pelo sistema pedagógico nightingale, pelo sistema assistencial enfermagem.

As dificuldades epistemológicas originam-se na desconsideração da diferença e da irredutibilidade das três concepções de enfermagem, fixadas em três sistemas diversos, dentro das quais outras tantas enfermagens podem ser historicamente evidenciadas.

Recapitulando: trajetórias de ações individuocoletivascom soluções de continuidade à saúde e à vida do corpo geraram associações de atenção àquelas soluções de continuidade; de algumas dessas associações nasceram sistemas de organização interna das comunidades, de atenção às soluções de continuidade à saúde e à vida do corpo. Algumas dessas associações e organizações estiveram sob o controle da Igreja Católica, durante toda a idade média européia e, posteriormente, da Igreja Protestante; sob o controle das igrejas e dos estados, estas próprias instituições criaram sistemas de organização externa das comunidades para atenção às soluções de continuidade ao bem-estar e à vida do corpo.

Tanto associações de organização interna quanto as de organização externa não eram práticas ou serviços profissionalizados, mas obras de misericórdia, filantrópicas – até o advento da enfermagem profissional, em 1860 na Inglaterra e em 1922 no Brasil. Essa enfermagem profissional está dentro de um sistema estatal de organização externa da sociedade que, no caso do Brasil, surgiu para subsidiar a institucionalização da medicina hospitalar.

As associações e as organizações externas e internas são historicamente estudáveis na idade média européia, desde os diáconos e as diaconisas até as ordens religiosas, seculares e militares para socorro aos pobres, enfermos, órfãos, viúvas, peregrinos, aleijados e feridos de guerra; no Brasil, inicialmente, tem-se o sistema de organização indígena, centrado nos morubixabas e pajés, o de organização jesuítica, centrado nos padres católicos, e o de organização afro-brasileira, centrado nos orixás.

Das associações e organizações, internas e externas, no Brasil, outros sistemas culturais (filosóficos, científicos, religiosos, artísticos, pedagógicos...) poderiam ter-se erguido: ao contrário, importou-se e implantou-se sistemas culturais extra-sociais, desqualificando, negando e condenando o patrimônio de artes e saberes nacionais, nomeando vários deles de folclore, medicina e enfermagem mágico-religiosa, popular, exótica, alternativa. E, por isso, acentuo que a enfermagem para ser um sistema cultural deve, primeiramente, formar saberes a partir das trajetórias e memórias de corpo nacionais e dos seus profissionais; posteriormente, manterá diálogo com outros saberes, utilizando-os como ACRESCENTAMENTO e não fundamento. Fora isso, intermitentemente, alteram-se discursos e proliferam-se afirmações: das defesas sobre a necessidade de se constituir disciplina prática, disciplina científica e prática social, volta-se ou junta-se à defesa de que a enfermagem se consolide disciplina.

A consolidação da disciplina enfermagem está na contramão daquele corpo de conhecimento formado de conhecimentos de outros campos do saber, desarticulados de seus contextos e trazidos para o arranjo, junção ou síntese criativa de um suposto corpo específico de conhecimento de enfermagem.

Para a formação de um campo de conhecimento próprio da enfermagem deve levar-se às últimas conseqüências as declarações e as sugestões d@s pesquisador@s críticos da enfermagem quanto à necessidade de um novo saber e uma nova prática de enfermagem;uma nova lógica, uma nova ética e um novo paradigma de enfermagem; novas verdades e novos mitos fundadores; a necessidade de ressignificar e recontextualizar o saber e a prática de enfermagem; a necessidade, registrada por Cianciarullo (2001, p.25), de construção de "uma nova disciplina baseada em sua condição e tendo como sustentáculo o cuidado humano" com resgate das raízes históricas da enfermagem.

Avançando nessas declarações, as pesquisas de Fernandes (2007, 2009, 2010) concretiza tendências e perspectivas epistemológicas, traduzindo numa Nova Enfermagem as declarações sobre o novo saber, a nova prática, o novo paradigma, os novos sujeitos sociais, a nova proposta político-pedagógica e a nova disciplina.

 
 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
CIANCIARULLO, Tâmara I. Instrumentos básicos para o cuidar: um desafio para a qualidade de assistência. São Paulo: Atheneu. 2001.
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DILTHEY Wilhelm Guillermo. Introducción a las ciencias del espiritu. 2. ed. México: Fondo de Cultura Económica. 1949.
DILTHEY, Wilhelm Guillermo. Crítica de la razón histórica. Barcelona: Península. 1986.
FERNANDES, Carlos Roberto. O Cuidado e a Enfermagem Forense. In:______________ Violência Moral na Enfermagem. Goiânia: AB. 2007; ps. 25-32
FERNANDES, Carlos Roberto e colaboradores. Corpo e cuidados fundamentais: condutas clínicas na saúde e em seus desvios. In: FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de; MACHADO, Wiliam César Alves, coordenadores. Corpo e Saúde: condutas clínicas do cuidar. Rio de Janeiro: Águia Dourada. 2009; ps.423-429
FERNANDES, Carlos Roberto. Fundamentos do Processo Saúde-Doença-Cuidado. Rio de Janeiro: Águia Dourada. 2010
JAMIESON, Elizabeth M. et al. História de la enfermería. 6. ed. México: Interamericana. 1968.
SANTOS FILHO, José C. dos. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático. In: SANTOS FILHO, José C. dos; GAMBOA, Sílvio S., organizadores. Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. 4. ed. São Paulo: Cortez. 2001.

[a]
O símbolo @ é usado para designar o gênero masculino e feminino.
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 12/05/2010
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