Textos
No Brasil, o dia do homem instituiu-se em 15 de julho; no restante do mundo, instituiu-se o Dia Internacional do Homem em 19 de novembro, com apoio da Organização das Nações Unidas.
Para o Dia do Homem, convém refletir sobre a questão do cuidado à saúde do homem.
No campo do Cuidado à Saúde do Homem destacam-se dimensões interconexas de estudo, de pesquisa, de cuidado e, quando necessário, de assistência:
- o cuidado à saúde afetiva;
- o cuidado à saúde genital;
- o cuidado à saúde urinária;
- o cuidado à saúde sexual;
- o cuidado à saúde reprodutiva;
- o cuidado à saúde espiritual.
As cinco dimensões do Cuidado à Saúde do Homem podem ser designadas por vários corpos inseparáveis:
- o corpo afetivo;
- o corpo genital;
- o corpo urinário;
- o corpo sexual;
- o corpo reprodutivo;
- o corpo espiritual. Todos esses corpos interconexos formam o Corpo do Cuidado à Saúde do Homem.
Androgênese ou formação do homem estuda a formação e a expressão dos corpos afetivo, genital, urinário, sexual, reprodutivo e espiritual do homem – o representante masculino da espécie humana: o processo de formação do homem (=androgênese) é um processo de desenvolvimento, ou seja, de diferenciação e de aperfeiçoamento ao longo da vida.
Do termo androgênese procedem os termos por mim propostos de androgenia, andrarca (correlata à menarca para a mulher), andrarcaterapia, andronia (e não andropausa).
Para uma abordagem androgênica, os modelos vigentes de abordagens do corpo do homem são limitados e falhos: a maioria dos modelos estão centrados em doenças e, ao invés de se discutir o cuidado à saúde do homem, trabalha-se unilateralmente com os possíveis agravos à saúde em situações ou condições de risco, de fragilidade, de sofrimento e de adoecimento.
Nos modelos de atenção ao homem centrados em doenças, quando o assunto gira em torno do corpo afetivo, as abordagens limitantes são de transtornos, distúrbios e doenças da afetividade – quase sempre centrados na Psiquiatria e na Psicopatologia; quando o assunto é o corpo genital, as abordagens redutivas são de doenças genitais – incluindo-se as doenças sexualmente transmissíveis e aqui acontece mais uma limitação: o corpo sexual e a sexualidade são reduzidos à genitalidade ou, mais focalmente, às doenças ocasionadas por práticas inseguras de sexo, às disfunções eréteis; quando o tema é o corpo urinário, as atenções fragmentadas são para as patologias cujo objeto de interesse circunscreve-se ao ato de médicos urologistas; em geral, quando o assunto é o corpo reprodutivo, as atenções fragmentadas limitam-se aos distúrbios masculinos na reprodução; quando o tema é o corpo espiritual geralmente apelam-se para as várias expressões de religiosismo, segundo os estatutos morais de seitas ou de religiões; uma área ainda problemática no cuidado à saúde do homem é a abordagem do ânus, limitada ao campo dos médicos proctologistas e, portanto, centrados nas doenças retais, anais, anorretais, perianais.
Outras subáreas médicas centradas na doença e em seu tratamento são a Pediatria (para crianças, ou seja, para doenças na infância), a Hebiatria (para os jovens adolescentes, ou seja, para os transtornos ou distúrbios ocorridos no momento da adolescência), a Sexologia (para os transtornos, os distúrbios e as doenças desencadeadas por práticas sexuais inseguras), a Geriatria (doenças da velhice?), a Gerontologia (doenças relacionadas ao processo de envelhecimento) e a Gerontogeriatria.
Em todas as abordagens centradas em doenças, o processo de viver é um processo de doença a ser abordado pela Medicina ou por uma filosofia medicocêntrica – mesmo aquelas que se referem a outras profissões.
O mesmo processo de medicalização da sociedade em geral[i] e do corpo feminino em particular, abordado sinteticamente por Vieira,[ii] está vigente com relação ao corpo masculino. Essa medicalização, parece-me, além de um desvio, uma caricatura da vida tanto do homem quanto da mulher: é a institucionalização de poderes e de violências centradas na expatriação, na expropriação e no extrativismo da corporeidade imanentes ao homem e à mulher.
Ninguém vê uma pessoa viva e pensa num defunto ou num cemitério; ninguém vive dentro de casa, no trabalho e na rua como se vivesse num necrotério; ninguém se olha, com ou sem espelho, e vê um cadáver; ninguém, a cada dia, se sente como um cadáver em putrefação ou como um cabide de doenças. Porque, pois, centrar a vida humana em doenças como se, antes de precisarmos de comida e de ambientes saudáveis para viver, precisássemos de remédios e de internações em instituições tratadoras de doenças?
Obviamente, adoecemos e precisamos de atenção especializada; mas isso é um momento da vida e não toda a trajetória de uma vida.
O excesso de doentes e de doenças é a falta –ou até a extinção- de pessoas saudáveis e de saúde, compreendendo-se saúde como o resultado do modo de organização das sociedades humanas.
Não somos PACIENTES: somos PESSOAS e, no discurso das sociedades democráticas de direito, somos CIDADÃOS.
Biologia não é Medicina: a condição biológica não é uma condição médica.
A expressão condição natural e o termo natureza foram trocados, respectivamente, por "condição biológica" e o termo "biologia": e a condição natural da vida não é de doenças e de doentes. Uma grave distorção é sinonimizar condição biológica ou abordagem biológica (abordagem da vida ou, se o quisermos, do processo de viver e de morrer saudável porque tudo que é vivo nasce, cresce e morre) à condição e à abordagem médicas: por mais jornalístico pareça ser esta frase, "Medicina não é Saúde";[iii] medicina é ciência que estuda e trata doenças –e não há nada de errado com isso a não ser transformar esta limitação em condição universal da vida.
A condição natural, ou seja, biológica de todo organismo vivo é corpórea – desde a ameba ao animal humano. SOMOS, da fecundação à morte, o CORPO QUE SOMOS: corporalidade, corpidade, corporeidade são nomes inventados para dar conta, intelectualmente, dessa realidade.
Mente ou psique é uma das áreas do CORPO QUE SOMOS: psicocorporeidade, psicorpóreo, corpomente são outros tantos nomes inventados para traduzir essa realidade. "Somos humanos, demasiadamente humanos" para pretender ser algo mais.
O CORPO QUE SOMOS existe e subsiste por intensivo, total e permanente cuidado e autocuidado: o não cuidado cria e mantém riscos e perigos, transtornos e agravos muitas vezes fatais.
[i]ILLICH, Ivan A. Expropriação da saúde. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1975
[ii]VIEIRA, Elisabeth Meloni. A Medicalização do corpo feminino. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2002
[iii]LANDMANN, Jayme. Medicina não é saúde: as verdadeiras causas da doença e da morte. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1983
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 10/07/2010
Alterado em 10/07/2010
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