Uma das maiores dificuldades de aprendizagem é chegar à formulação de um problema de pesquisa científica.
Um número expressivo de monografias, até dissertações e teses, apresentam perguntas irrelevantes quais se fossem problemas de pesquisa científica.
Alunos de graduação e de pós-graduação lato e strictu sensu, não poucas vezes, ACHAM (doxa) que problema de pesquisa é colocar um ponto de interrogação no final de uma frase mal construída diante das chamadas inquietações do aprendiz a investigador.
Obviamente, problema ou questão de pesquisa geralmente (e não necessariamente) apresenta-se em frase interrogativa, direta ou indireta, representando a síntese de uma dúvida, de um interesse, de uma inquietação orientadora do processo pesquisante.
O problema ou a questão de pesquisa responde O QUE, qual o principal motivo do trabalho.
A dificuldade em se chegar a um problema de pesquisa decorre da indefinição do objeto de estudo, de investigação ou de pesquisa: transformar um assunto em tema de pesquisa, transforma o tema em objeto de pesquisa não é atividade fácil.
Transformar o objeto de estudo em questão ou problema de pesquisa é uma arte expressiva da capacidade de se criar algo de relevância científica, desalojando o conhecimento validado, incomodando o jeito instituído de pensar, de agir, de querer, de sentir. Nesse itinerário, só há consenso permanente onde não se faz ciência.
Ciência é desalojamento do instituído.
Possivelmente, haverão incalculáveis perguntas e problemáticas, emergentes do cotidiano de todas as pessoas ou situações; nem todas ou a grande maioria delas não constitui questão de pesquisa científica. Por outro lado, muitas questões cotidianas poderiam transformar-se em questões de pesquisa científica e não são consideradas, percebidas, notadas. Daí, a fundamentalidade de Leituras Preliminares – fontes prováveis ou coadjuvantes de questões até então ocultas ou ocultadas, desapercebidas, minimizadas quanto à relevância social e científica. Tais fontes destacarão ou aniquilarão justificativas e relevância da sobre o assunto, o tema e o objeto de estudo.
A situação medíocre de não se chegar satisfatoriamente a um problema de pesquisa incomodou tanto a Karl Popper que ele rompeu com a litania dos chamados métodos dedutivos e indutivos para propor outro caminho investigatório: o seu método, adequadamente ou não, batizado de hipotético-dedutivo.
Muitos pesquisadores e alunos no século XXI sequer chegaram a conhecer a superação metodologicamente dedutiva ou indutiva proposta por Popper no século XX!
Mas, e o problema de pesquisa? Vale retornar aos ensinos de Ângelo Domingos Salvador:
- problema é dificuldade teorética ou prática, ainda sem solução ou proposta de solução, perante a qual o investigador quer encontrar soluções e propostas.
- problema é situação intermédia entre ignorância e saber.
- problema reconhece tanto a existência de dificuldades sem soluções quanto a insuficiência de soluções vigentes.
- problema é desocultamento.
- formulação de problema deve obrigatoriamente ser precisa: vacuidade, imprecisão e ambiguidade formulativas são intoleráveis.
O que deve estar contido num problema de pesquisa científica?
- Primeiro, palavras ou expressões interrogativas diretas ou indiretas. Nas operações lógicas, relacionadas por Othanel Smith, as expressões ou palavras interrogativas são precedidas por QUAL, QUE, ONDE, QUANDO, entre outras.
- Segundo, declaração do objeto de estudo ou objeto do ato de conhecimento. Ou seja, sobre o que se debruçam as operações intelectivas do investigador. Poucos investigadores, aprendizes e ensinantes, conseguem declarar o objeto de estudo em suas pesquisas.
- Terceiro, Concepção ou Ponto de vista da operação lógica. Aqui está o "espinho na carne" do investigador: muitos não conseguem traçar, de forma gramaticalmente verbal e explícita, o ponto de vista da operação intelectiva.
- Quarto, ação perceptiva desencadeada pela pergunta ou questão de pesquisa. Se a pergunta não for pertinente, a resposta não será lógica. A resposta para aquela ação inicia-se, geralmente, com as operações intelectivas contidas nos termos de entrada (as palavras ou expressões interrogativas).
- Quinto, resultado ou resposta. A precisão do problema provoca precisão da resposta: resposta imprecisa significa imprecisão do problema. Tipo de resposta está contido ou previsto na pergunta.
- Sexto, conhecimentos prévios sobre o assunto são fundamentais para formulação de problemas. Não se formula nada sobre o nada, não se sabe de lacunas ou dificuldades sobre algo quando não se conhece nada sobre coisa alguma. Eis a confusão entre problemas de estudo e problemas de pesquisa científica.
Livros e livros lidos e estudados são necessários: a internet é apenas uma das ferramentas facilitadoras de busca e não o fundamento do ato de estudar e de aprender: quem não gosta ou não quer ler livros não está preparado para o ingresso na vida acadêmica e menos ainda para iniciação científica. Aliás, iniciação científica não é para desenvolver amor pelo estudo: o aluno de iniciação científica necessariamente tem que ter desenvolvido tal amor. A iniciação científica é para desenvolver amor pela pesquisa científica: e esta não é atividade para todos nem vontade de todos.
- Sétimo. Conhecimentos prévios também significam Vivências prévias, ou seja, o saber não está limitado ao saber de livros, embora todo conhecimento científico deve estar publicado de alguma forma. O investigador tem consciência de sua ignorância relativa sobre assuntos e temas: e por isso investiga, indaga, pergunta, questiona.
Vale dizer que todo conhecimento procede da vivência: toda ciência, toda filosofia são empíricas. Os níveis de conhecimento presentes nos manuais de metodologia científica são APENAS um tipo de concepção de conhecimento gerado pelo Positivismo: saber isso seria já saber algo além do medíocre antes de se atrever à orientação de alunos.
- Oitavo. Anotar perguntas e questões que proliferam em nossa mente sobre determinado assunto é fundamental: tais perguntas, questões, inquietações servirão de base para se chegar legitimamente a PROBLEMAS DE PESQUISA. A profusão de perguntas, questões, inquietações anotadas, posteriormente podem ser organizadas, combinadas, destacando-se questões coordenadas, questões subordinadas, questões acessórias: esse ato ajuda a se chegar a essencialidade formulativa de um problema de pesquisa.
Em suma, problema de pesquisa é desafio: postura investigativa é postura incomodativa. Quem está satisfeito não investiga, não interroga, não desaloja.