Para o cardeal alemão Nicolau de Cusa, ratio é a razão distintiva, formuladora de conceitos, delimitane e separadora das coisas; intellectus é percepção espiritual imediata, ordenadora da unidade e do infinito e não ordenadora de opostos ou dicotomias. Em Cusa, ratio é limitante, mensurável e numerável; intellectus é supraconceptual, imensurável e não numerável.
Pascal inventa as expressões esprit de finesse para significar intelligence (inteligência) e couer (coração) e esprit de géométrie para significar a pura razão (ratio ou raison) e próprio do pensamento racional-matemático. Em Pascal o esprit de finesse (espírito de fineza) sobrepuja em superioridade o esprit de géométrie (espírito de geometria).
Kant utiliza-se da palavra alemã vernunft (que é, na verdade, intelecto) para significar razão, faculdade superior e captadora da unidade não objetiva e superconceptual, domínio transcendental da faculdade pensar, das totalidades universais, fora do campo vivencial ou experiencial; e emprega a palavra alemã verstand (que seria razão) para significar entendimento ou faculdade inferior e finita do conhecimento objetivo e do pensamento categorial.
Hegel utiliza-se da palavra verstand para significar a faculdade limitante e separadora por oposições dos conteúdos individuais finitos; e da palavra vernunft para a faculdade especulativa pela qual se alcançaria a unidade dialética de todas as oposições. Nesse sentido, parece-me que Hegel intenta retomar à significação de intuição para vernunft.
Aberrações filosóficas foram feitas por René Descartes e Christian Wolff.
Para Descartes, ratio significa razão e é pensamento conceptual lógico-matemático – o único tipo de pensamento e de conhecimento racional e científico; o pensamento cartesiano elimina a diferença entre ratio e intellectus e reduz ambos ao termo razão.
Wolff utiliza a palavra alemã vernunft para significar intelecto, por ele concebido na acepção de ratio ou pensamento racional e conceptual.
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Parto da concepção de que intuição é exatamente a faculdade ou o sentido integrado ou integrador de ratio e intellectus: não se trata de fusão ou de conexão.
A palavra alemã que não distingue ratio e intellectus é vernunft. Vernunft significa intuição e intuição significa intellectus.
Talvez ainda segundo a minha concepção se possa dizer que percepção é faculdade de sentir e de pensar via ratio e intuição é faculdade de sentir e de pensar via intellectus. Mas aqui eu estaria no continuísmo das dualidades (e não dicotomias) ratio e intellectus.
O que tenho em mente são os seguintes pressupostos:
-intuição diferencia-se de raciocínio ou operação própria do pensamento dirigido, conceptual, discursivo;
-a lógica e a racionalidade próprias da intuição não são a do raciocínio do pensamento analítico, mecânico-matemático, instrumental;
-intuição não é uma função compensatória da percepção, mas é um tipo desenvolvido (=diferenciado e aperfeiçoado) de percepção.
-intuição não é uma faculdade ou capacidade corpopsíquica especulativa.
-intuição é um sentido humano integrado, integrador e desenvolvido (=diferenciado e aperfeiçoado) de todos os demais sentidos humanos conhecidos até o momento.
-intuição é um sentido humano altissimamente desenvolvido (=diferenciado e aperfeiçoado) e não um sentido indiferenciado.
-civilizações tradicionais quais a Hindu (oriental) e a Indígena (não ocidental e não oriental) têm amplos e sistemáticos conhecimentos sobre a lógica e a racionalidade da intuição.
Possivelmente, eu estarei retomando o itinerário ou aspectos fundamentais da Scientia Intuitiva de Benedicto Espinosa (1632 – 1677), para o qual conhecimento intuitivo é percepção das coisas em seus aspectos e relações eternos.
Espinosa concebe uma distinção entre ordem eterna (mundo das leis e da estrutura) e ordem temporal (mundo das coisas e dos incidentes), natura naturans (eterna atividade criadora ou aquilo que permanece acima da mudança) e natura naturata (mutável atividade produtora).
A concepção espinosiana de natura naturans e natura naturata é muito mais que uma renomeação da realidade aparentemente dualizada em Mundo Intelegível (mundo da matéria refinada e vibrátil, animada e dotada de sensibilidade) e Mundo Sensível (mundo morto da matéria bruta ou compacta) de Platão; das duas qualidades cognoscíveis da Substância, res cogitans (coisa pensante = espírito) e res extensa (coisa pensada = corpo), de Descartes; do mundo da mente (da psique, do Espírito) e do mundo corpo (da matéria, do físico) em que se divide a concepção de ciência no mundo ocidental; do mundo espiritual e do mundo corporal (particularmente do Espiritismo); da própria concepção chinesa de Yin e Yang; do céu e do inferno (das várias concepções derivadas do Cristianismo).
O pensamento de Espinosa em sua Filosofia da Identidade, parece-me, explicitar os campos da criação, da criatividade, da ação criadora (eternas, fundamentais, permanentes no sentido do que permanece sob a mudança) e o produção, da ação produtora e da produtividade (mutáveis, acidentais ou atributos/propriedades): a primeira (natura naturans) é o processo ativo, vital da criação, a própria “substância” criativa; a segunda (natura naturata) é o conteúdo/a qualidade ou o resultado daquele processo ativo e vital. Mais explicitamente, a natureza criando e a natureza criada – o imanente e o incidente.
A intuição, tal qual a concebo, é algo da interseção natura naturans-natura naturata.
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BIBLIOGRAFIA
CORETH, Emerich. Questões fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: EPU. 1973
DILTHEY, Wilhelm. Vida y Poesia. México: Fondo de Cultura Económica. 1978
DILTHEY, Wilhelm. Literatura y Fantasia. México: Fonco de Cultura Económica. 1997
FERNANDES, Carlos Roberto. Fundamentos do Processo Saúde-Doença-Cuidado. Rio de Janeiro: Águia Dourada. 2010