GERALDINA PEREIRA FERNANDES (*23.Junho.1913; +23.Julho.2002)
Textos


 
Retomando a Hermenêutica Mítica, a tradição mítica vincula Hermenêutica ao deus Hermes, merecedor do cognome O Luminoso porque "vencedor mágico da obscuridade"; daí a minha concepção da Hermenêutica como ciência filosófica do esclarecimento.

O caráter mágico da vitória de Hermes sobre a obscuridade apenas pode ser visto no sentido complexo dado por Carl Gustav Jung, o criador da Psicologia Analítica: mágico qualifica toda ação, situação, estado ou condição humana em que entram em jogo forças inconscientes.

A magia de Hermes é atributo de sua condição de saber tudo e, portanto, poder tudo: vence magicamente a obscuridade porque tem pleno saber sobre as forças inconscientes. Esse poder mágico do saber recebeu o nome utilitário de capital intelectual e, agora mais adequadamente de gestão do conhecimento: Hermes é arquétipo da gestão do conhecimento e, acrescento, da gestão do esclarecimento.

Hermes, na condição deus andrógino, é símbolo da autognose, do autoconhecimento de homens e mulheres; enquanto deus masculino Mercúrio é símbolo da individuação masculina; enquanto deus civilizador é símbolo do desenvolvimento (=aperfeiçoamento e diferenciação) de povos e nações.

O mito de Hermes é rito de iniciação para todas as individuações e está presente distorcidamente no espírito do ocidente: se a filosofia grega funda-se no Lógos; se, para os gregos, Hermes é o único e verdadeiro Lógos; se a história da cultura e da civilização supostamente ocidental nasce da cultura e da civilização oriental grega, então o deus do ocidente é Hermes –um deus oriental.

O deus Hermes é três vezes máximo e, por isso, o nome Hermes Trimegisto resultante da interconexão entre o deus grego Hermes, o deus egípcio Tot (deus da escritura, da palavra, da inteligência, senhor dos magos e criador do mundo através da palavra) e o deus romano Mercúrio e arquétipo do homem.

As interconexões e até redenominações de deuses correspondem aos processos históricos de assimilação ou substituição sociocultural de práticas e saberes aceitos ou rejeitados em momentos históricos específicos de povos e nações.

Por assimilação, o mito de Hermes revive na experiência histórica de sincretismo religioso entre gregos, romanos, egípcios, judeus e cristãos presente no gnosticismo, no neoplatonismo de Plotino, na alquimia para a qual é o mercúrio dos alquimistas, na maçonaria, na Umbanda com o mito do orixá Exu, no Espiritismo pelas funções e comissões do médium espírita, na Teologia Católica e em vários aspectos dos atuais movimentos carismáticos de católicos e evangélicos.

Literalmente, Hermes é deus hermenêutico porque criador e mantenedor de nexos, conexões, interconexões de tudo a tudo: a atualização dessa característica e função da Hermenêutica está no Holismo (palavra criada pelo filósofo sul-africano Jan Smuts, em 1926).

A função de Hermes clarifica o que é e o que faz a Hermenêutica: investiga, estabelece e esclarece nexos, conexões, interconexões.

 No sincretismo do deus grego Hermes com o deus latino Mercúrio, a sua grandiosidade simbólica é estudada por Carl Gustav Jung e de onde se pode citar:
-símbolo do uno na diversidade;
-do inconsciente coletivo;
-do Si-Mesmo;
-de Adão;
-da água espiritual;
-da água eterna;
-da alma do ouro e da prata;
-da anima mundi;
-do deus terreno;
-do fundamento da arte da transformação;
-da união espírito corpo
-de sagitarius;
-da quaternidade;
-do leão;
-da rainha;
-de hermaphroditus;
-da Pedra Filosofal;
-da matéria seminal do masculino e do feminino;
-da matriz e nutriz de tudo;
-daquele em que há integração de todos os paradoxos possíveis e imagináveis.

A simbologia de Hermes e as múltiplas funções a ele atribuídas na história antropológica do pensamento de tão diferentes povos testemunham a astronômica e universal significação e função da Hermenêutica.

 Os acessórios da vestimenta de Hermes, os poderes a eles atribuídos, alguns objetos e animais que simbolizam o deus podem ser estudados como pistas das habilidades, da engenhosidade, da inventividade, da perspicácia fundamentais na investigação da Hermenêutica Metodológica: caduceu com duas serpentes entrelaçadas na parte superior, chapéu, sandálias aladas, pedras, mercúrio, a cor e a flor amarela, a lira, a flauta de Pã, o cisne, a águia, o abutre, fênix, o sêmen, o falo (pênis ereto), o unicórnio, o Uróboro, o leão, árvore, o salgueiro.

Investigação hermenêutica é correlata a muitos processos históricos da investigação alquímica: a diferença está em que a primeira tem por princípio o esclarecido pelo mais esclarecido e a segunda, o obscuro pelo mais obscuro
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 Conquanto a gigantesca obra exegética e de conciliação da Patrística, voltada para a interpretação das sagradas escrituras e dos autores clássicos greco-romanos, o advento da Hermenêutica Teológica é atribuído ao líder da Reforma Protestante – o monge agostiniano Martinho Lutero (1483 – 1546).

Relevante é considerar a concepção de educação para Lutero centrada no estudo das línguas antigas e a nacional – um conhecimento que o permitiu realizar a primeira tradução da Bíblia para o alemão com objetivos religiosos, políticos, econômicos e socioculturais. Eis ainda e mais um motivo para conceber a Hermenêutica uma ciência filosófica do Esclarecimento (Aufklärung).
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OBRAS CONSULTADAS:
 
BOFF, Leonardo. O Despertar da águia. 3. ed. Petrópolis: Vozes.  1998
BRANDÃO, Junito de Sousa. Mitologia Grega. Volume II. 5. ed. Petrópolis: Vozes. 1992; ps. 191-207
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da psique. 2. ed. Petrópolis: Vozes.
1986
JUNG, Carl Gustav. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis: Vozes. 1990.
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 17/08/2012
Alterado em 19/02/2013


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr