Não há registros informativos sobre os pais de Francelina Gomes, com exceção da única informação de que a mãe de Maria João de Deus e avó materna de Chico Xavier era indígena: esta única informação é absolutamente relevante quanto à origem e à composição étnica da família Xavier e está registrada em Nobre (1996, p.15) e Costa (2010).
Altamente relevante é a configuração étnica da família Xavier – sobretudo pelos próprios preconceitos étnicos ainda vigentes no Brasil do século XXI: para que Maria João de Deus nascesse negra, sendo sua mãe indígena, o pai deveria ser necessariamente negro. E isto porque, o cruzamento entre a raça indígena e a raça negra produz o tipo étnico conhecido como cafuzo, de pele negra porém com traços físicos faciais diferentes aos do negro puro: o tipo étnico cafuzo possui inclusive cabelos lisos.
Muitos brasileiros, por ignorância ou preconceito étnico, chamam o cafuzo de moreno (com várias gradações para a cor da pele) e até pardo; no entanto, etnicamente, a designação “moreno” seja “claro” ou “escuro” não existe.
Outros nomes conhecidos no Brasil para a etnia cafuza (cruzamento entre índios e negros) são: taioca, cafuçu ou cariboca.
A designação étnica de mulato restringe-se ao cruzamento entre brancos e negros: entretanto, o fato é que todos os brasileiros, desde os contatos interétnicos com vários europeus, já nasceram mestiços, notadamente se cruzados com os portugueses porque estes, desde 1500, já eram povos mestiços e não “brancos” como erradamente se gosta de falar e de dizer.
Francelina era mulher indígena, lavadeira as margens do rio das Velhas e foi acolhida pelas Irmãs da Piedade – ordem católica administradora do Hospital de São João de Deus, em Santa Luzia do Rio das Velhas. Costa (2010), afirmando a sua condição de escrava, diz que a gravidez de Francelina era de alto risco e o seu senhor entregou-a às freiras do Hospital de São João de Deus, em Santa Luzia.
Estranha é a referência de Harley (2010, p.51) sobre a situação de imigrante francesa de Francelina, acolhida pela ordem católica das Irmãs da Piedade: informação duvidosa sobretudo porque, oficialmente, os registros de imigração no Brasil datam de 1886 a 1914 com a vinda exclusivamente permitida de italianos, espanhois, alemães e suíços, japoneses, árabes e judeus, sem mencionar os portugueses e os negros. Tal período de imigração era para substituir a mão-de-obra escrava negra; muito anteriormente e por se recusarem a ser escravos, a mão-de-obra indígena foi substituída pela negra.
Os traços físicos de toda a família Xavier são de brasileiros e, portanto, mestiços: marcadamente revelando o cruzamento entre indígenas, negros e portugueses brasileiros (igualmente mestiços). Ratificando: “portugueses brasileiros” significa filhos de portugueses que já nasceram no Brasil, ou seja, nasceram mestiços porque seus pais os tiveram com mulheres indígenas ou mulheres negras.
Ferreira e Baccelli (2006) registram o engravidamento da jovem Francelina pelo filho de um fazendeiro; obviamente por ser país escravocrata (oficial ou culturalmente), o pai desse jovem não permitiu qualquer hipótese de casamento nem o reconhecimento da paternidade.
As Irmãs da Piedade, na época dirigentes do Hospital São João de Deus, ampararam FRANCELINA, as vésperas da parturição, e a conduziram até a referida instituição aonde nasceu Maria João de Deus: após o nascimento da criança e sem pai presente, as próprias freiras deram-lhe a ocupação de lavadeira.
O Hospital de São João de Deus dirigia-se a assistência dos desfavorecidos da sorte e/ou desfavorecidos de fortuna: ou seja, era hospital para os pobres e os miseráveis.
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Francelina chegou a morar com o casal Xavier em Pedro Leopoldo, convivendo e cuidando de suas primeiras netas. (RANIERI, 1978, p.86) Eis as parcas informações sobre a avó materna de Chico Xavier, além de alguns traços de personalidade escritos por Maria João de Deus pela mediunidade psicográfica do seu filho.
Em seu livro mediúnico, Maria João de Deus lembra os momentos primeiros de sua reencarnação em Santa Luzia do Rio das Velhas e fala a Chico Xavier: "Aproximei-me, então, depois de longa ausência, daquela que me serviu de mãe, a quem conhecestes." Nesta afirmação, Maria João de Deus diz que Chico conheceu sua avó materna. (DE DEUS, 1958, p.83; XAVIER e DE DEUS, 2011, p.123)
Em seu depoimento, Maria da Conceição Xavier afirma: "não conheci a minha avó materna, mas minhas irmãs sempre contavam que ela ouvia vozes e discutia muito, falando sozinha; brigava com alguém invisível e custava muito a dormir à noite, vigiando nosso sono.” (RANIERI, 1978, p.86) Ou seja, Francelina ouvia e via espíritos desencarnados, além de conversar com eles: o fato mediúnico não era desconhecido da família Xavier; ao contrário, fazia parte do cotidiano, embora obviamente a família desconhecesse o Espiritismo e os seus postulados sobre mediunidade.
Quanto às irmãs de Maria da Conceição Xavier que conheceram Francelina Gomes: pelas suas datas de nascimento foram Maria Cândida, Maria Luiza, Maria de Lurdes e Carmozina.
O ano de morte de Francelina é desconhecido: a única informação é de que viveu com as netas, com o genro e com Maria João de Deus até a morte corpórea. (RANIERI, 1978, p.86) Ou seja, Francelina faleceu antes de 1915.
Com relação à data da morte de Francelina Gomes, duas hipóteses podem servir para uma data aproximativa:
- até o dia 28 de setembro de 1915, quando Maria João de Deus comunicava aos filhos a sua decisão em distribuí-los entre amigos, não há nenhum registro indicador de que Francelina vivia em sua casa; portanto, sua morte pode ter ocorrido antes de setembro de 1915;
- não há nenhum registro de que o médium Xavier tenha dito algo sobre o falecimento da avó quando, em 1918 retorna ao lar paterno junto à Cidália Batista Xavier; nem há registro de que Cidália tenha dito algo sobre a presença de Francelina Gomes, após ter casado com João Cândido em novembro ou dezembro de 1915.
Para Maria João de Deus referir que Chico Xavier conheceu Francelina Gomes, o menino deveria ter de dois a quatro anos de idade: hipoteticamente, a morte de Francelina pode ter-se dado em 1912 ou 1914. Nessa hipótese, é estranho que Maria da Conceição Xavier, nascida em 1907 ou 1908, afirmar não ter conhecido sua avó materna: nesse caso, a data provável recua para o período entre 1907 e 1909.
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O espírito Maria João de Deus em Cartas de uma morta sumariza a grande afetividade milenar de sua alma com relação a sua mãe Francelina (DE DEUS, 1958, ps. 30 – 34; XAVIER e DE DEUS, 2011, ps.43-50):
- "minha idolatrada mãe".
- "vi minha mãe a contemplar-me com a melhor das expressões de ternura e amor."
- "aquele ente querido, que na Terra para mim fora o anjo de amor maternal, também se sentia sob o império de grande emoção."
- "nossos espíritos de há muito se haviam unido na milagrosa teia das vidas sucessivas".
- "caí-lhe nos braços amorosos".
- "era envolvida na onda simpática do seu caricioso olhar".
- era a sua "voz repassada de infinita doçura".
- "Francelina – o espírito boníssimo que me servira de mãe".
- "foi guiada por sua meiguice que ingressei nas regiões misteriosas, que a morte nos descerra em outros planos."
Ainda referindo-se à situação de sua mãe Francelina, o espírito Maria João de Deus relembra os momentos anteriores a sua reencarnação (DE DEUS, 1958, p.83-4; XAVIER e DE DEUS, 2011, ps.123-5):
- "um espírito querido à minha existência."
- "Como me sensibilizou vê-la naquela situação de humildade, lutando com mil asperezas num destino de pobreza ingrata!"
- "Acerquei-me daquela jovem de faces maceradas nos trabalhos".
- "Contemplei genuflexa o seu semblante cheio de serena grandeza no infortúnio".
- "resgatas na túnica dos pobres e dos humilhados as dívidas de outrora".
- "eu quero também esconder nos trapos da plebe anônima e sofredora as úlceras de minha enorme desdita."
- “Lavarei com lágrimas as nódoas da minha consciência.”
- “Seja eu sangue do teu sangue, carne da tua carne!”
- "Dá-me das tuas vestes e das tuas preocupações, dá-me dessas dores que hoje te crucificam e desses desgostos que desfazem os teus enganos e ilusões"...
- ..."dava o primeiro passo para o meu renascimento na Terra e, segundo os meus desejos, aquela mulher me recebia em seu seio para, igual a ela, sorver o fel da provação redentora e, imitando-a, fui também mãe para sofrer e me redimir.” Os substantivos e adjetivos das expressões usadas por Maria João de Deus para esclarecer a sua e a situação corpórea de sua mãe Francelina afirmam a posição social ínfima, rude e anônima de ambas: pobreza ingrata, faces maceradas nos trabalhos, túnica dos pobres e dos humilhados, trapos da plebe anônima e sofredora.
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BIBLIOGRAFIA
COSTA, Carlos Alberto B. Natal e a família de Chico Xavier. In: Jornal O Espírita Mineiro. Nov-Dez: 316. 2010
DE DEUS, Maria João. Cartas de uma morta. 6. ed. São Paulo: Lake. 1958
FERREIRA, Inácio; BACCELLI, Carlos A. Fundação Emmanuel. Uberaba: Pedro e Paulo. 2006.
HARLEY, Jhon. O Vôo da garça: Chico Xavier em Pedro Leopoldo 1910 – 1959. Belo Horizonte: Vinha de Luz. 2010
NOBRE, Marlene Rossi Severino. Lições de Sabedoria. São Paulo: s/ref. 1996
RANIERI, Rafael Américo. O Prisioneiro de Cristo: fatos da vida de Francisco Cândido Xavier. São Paulo: Lake. 1978
XAVIER, Francisco Cândido; DE DEUS, Maria João. Cartas de uma morta. 15. ed. São Paulo: Lake. 2011
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 24/08/2012
Alterado em 19/02/2013