Francis Bacon (1561-1626) é o propositor de uma nova forma de pensar e de conhecer: esta nova forma, contraposta ao modo dedutivo de Aristóteles, é a indução.
O método indutivo parte dos fatos da empeiria (da experiência interna e externa) e não de conceitos preformados pela inteligência (ou pela razão). Para Bacon, tais conceitos preformados são capas ou envoltórios vazios de palavras capazes de levar às generalizações errôneas do que é observado.
No método indutivo de Bacon, toda a ciência tem como único fundamento a empiria ou a experiência e como método (e técnica) único a indução: a validação ou a verdade desse conhecimento se dá na experiência (na empeiria) e diante de novas experiências.
Consequentemente, Bacon investe-se contra a esterilidade do silogismo aristotélico.
A tradição empírica ou empirista inglesa inicia-se, na verdade com o frade (franciscano), alquimista e filósofo Roger Bacon (1214-1294) responsável pelo desenvolvimento do Nominalismo em ciência empírica como base do saber natural aristotélico-arábico: Francis Bacon segue esta tradição empírica inglesa, iniciada com Roger Bacon.
A teoria baconiana dos preconceitos é uma denúncia às noções (ideias e conceitos) falsas, vigentes desde Aristóteles: tais falsidades do modo de pensar e, consequentemente, de conhecer, Francis Bacon denomina de idola (ídolos) – vigentes em muita legenda rotulada de conhecimento científico.
a)Idola Tribus (ídolos da tribo). Traduzem deficiências nascidas da própria natureza humana e, portanto, reproduzem tais deficiências nas próprias percepções e sentidos humanos responsáveis por enganos no mundo do conhecimento: a primeira consequência desses enganos, vigentes em ciências e métodos supostamente científicos, é a produção de generalizações derivadas do que é favorável ao encobrimento daquelas deficiências com a exclusão do que é desfavorável (istantiae negativae); a segunda consequência, decorrente da primeira, é a desfiguração dos fatos da experiência (empeiria).
Os idola tribus são inerentes à tribo ou à espécie humana.
b) Idola Specus (ídolos da caverna). São os enganos decorrentes da pessoa humana, individualmente considerada e referem-se à caverna ou à cova interceptadora e corruptora da claridade da natureza (não humana). Tais enganos individuais procedem da própria singularidade de cada pessoa, dos efeitos enganosos da educação recebida e/ou da relação (e conversação) com os outros.
c) Idola Fori (ídolos da vida pública). Tais enganos procedem das relações interpessoais, muitas delas decorrentes das relações comerciais. Estas relações estabelecem-se pela conversação, pela linguagem e, portanto, referem-se a enganos gerados no discurso com o emprego de palavras geradas pelo vulgo: a questão é que tais palavras, pelo seu uso, impõem-se impropriamente à linguagem e bloqueiam a inteligência, gerando ilusões e controvérsias inúteis.
O convencionalismo linguístico de muitas áreas de conhecimento, pateticamente coroadas de linguagem técnica ou profissional, é, não raro, vazio e serve apenas como instrumento de bloqueio epistêmico.
d) Idola Theatri (ídolos da autoridade). Tais enganos foram (e são) adquiridos por inúmeras doutrinas filosóficas (extensivas às doutrinas científicas, religiosas...) mediante a crença em supostas autoridades (científicas, filosóficas, religiosas...). No mundo científico é muito comum tais enganos, sobretudo pela subordinação de pesquisas a referenciais teóricos e metodológicos consagrados (pelas próprias deficiências dos idola tribus e dos idola specus).
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A teoria baconiana dos preconceitos é uma proposição para o uso metódico da razão. (GADAMER, 1999, p.516)
Ainda que Francis Bacon seja considerado falho ou não muito exato em suas exemplificações do método indutivo e que a sua física não tenha recorrido ao modelo de pensamento matemático conforme o fez Galileu Galileu, ainda assim a sua teoria dos preconceitos continua atual –e até revolucionária, sobretudo no olimpo dos idola de muitas universidades em seus grupos e resultados de pesquisa, minados (e cegos) de preconceitos.
Finalmente e, ainda, destacando a perspicácia hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, as atuais deficiências no mundo do conhecimento sobre a teoria da experiência (da qual procedem todas as Ciências da Empiria, incluindo obviamente as Ciências do Espírito ou chamadas Humanas e Sociais) está na unilateralidade da orientação de um tipo de preconceito científico incapaz de (re)conhecer a “historicidade interna da experiência” – historicidade esta exaustivamente esclarecida por Wilhelm Guillermo Dilthey.
O aparato metodológico das ciências experimentais (equivocadamente chamadas de quantitativas) e não das ciências experienciais (mais equivocadamente chamadas de qualitativas) consegue, por distorção, livrar-se do “momento histórico”; na análise de Gadamer, algo parecido se consegue na utilização do chamado método histórico-crítico. E a esse livramento distorcivo chama-se objetividade.
Portanto, nessa falta, ausência ou extinção (abstrata) da historicidade interna da experiência, inventaram-se (e inventam-se) métodos de comprovação, passíveis de experimento (repetibilidade). E, nisso, encontra-se a relevância da teoria baconiana dos preconceitos (notadamente, os científicos).
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REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna. 1986.
ASTER, Ernst von. Historia de la Filosofia. 2. ed. Barcelona: Labor. 1945
DILTHEY, Wilhelm. Historia de la Filosofia. México: Fondo de Cultura Económica. 2. ed, 9. reimpr. 1996
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. 3. ed. Petrópolis: Vozes. 1999
MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia. São Paulo: Paulus. 1980
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 08/02/2013
Alterado em 19/02/2013