Textos
Na foto ilustrativa: cangaceiro Massilon Benevides Leite.
VIRGULINO:
7 de julho de 1897 (registro civil)
3 de setembro de 1898 (certidão de batismo)
28 de julho de 1938 (assassinato)
Para todos LampiãoÉ temido, respeitado;Mostra agruras do sertãoEm um corpo perfumado.
Moreno por sol tostado,Forte caboclo do mato,Por mais seja contestado,É sertanejo de fato.
Com metro e oitenta de altura,Seu porte não é de efeito:Nele projetam feiúraPor má fé, zanga, despeito.
Voz baixa, passo macio,Uma elegância jaguar:Não há vendaval sombrioQue o impeça de caçar.
No escuro, no sol claro, Livros, cordeis e cantigasLembram o cabra preclaro“Monarca das Caatingas”.
Num sertão de extensa agrura,Há rejeição, idolatria;No cinema, na pintura,Lampião reina, porfia.
Nos atos cotidianosOnde disfarce domina,Lampião pratica planosQue a lei monta na surdina.
... por sobre leis inconstantesde governos ou de alguém,crimes dos cabras volantessão dos cachimbos também!...
Advogados de tino -dois rifles, dois mil cartuchos;Eis a lei de VirgulinoEm um mundo de trancuchos.
Entre os dotes de cangaceiro,no pano, couro ou na mãoFaz bordado, é costureiro,Faz modas, composição.
Com escolhido traçado,Feito em possível xodó,Veste calça de riscado, A camisa, o paletó.
...Suas camisas listradas Trazem com ouro botões; Outras tantas estampadasTêm ouro sem confusões.
De cabelos longos, pretos, Lisos, graves, luzidiosTraz Lampião insuspeitosMuitos dramas nos seus fios.
Com um nordestino gosto,Tem barba, nuca raspadas;Sem rugas fortes no rosto,Dá bom dia aos camaradas.
Sejam falsos, verdadeiros,De presenças rutilantes, Traz nos dedos rotineirosVários aneis de brilhantes.
Qual típico cavaleiro,Com correias e metal,Põe chapéu de cangaceiroCom primor sem igual.
...Chapéu de couro estrelado.As cintas bem perfuradas...Tudo com brilho esmeradoMesmo em terras maltratadas.
Broches, colares e brincos,Aneis até nos cabelos...Quantos primores, afincos,Quantas artes, quantos zelos.
Alpercatas reluzentes,Com ilhoses amarelos,Se impõem vistosas às gentes,Homens pequenos, butelos.
Com coberta e chales finos,Entre garboso, formal, Traz bugigangas e balasNum estiloso bornal.
Misto vaqueiro-soldado,Sem posturas abstratas, Tem no peito emoldurado Três cartucheiras cordatas.
Sem tino por aventuraDe algum vicário mortal,Traz visíveis na cintura Duas pistolas, punhal.
Rente cruz pendida ao peito,Rezas, ervas, patuá:Contra ele não há malfeitoSeja aqui, seja acolá.
Qual um radar sempre atentoAnte surpresa cretina, Tem no corpo movimento Ágil intuição felina.
Nos confrontos ou na pausa,Lampião, com tanto viço,Onde passa sempre causaIndiscreto rebuliço.
Os inquietos enfadadosClamam por aparição;Os crueis apavoradosSonham desaparição.
Tremem as oligarquias,Tremem forças policiais.Têm arapucas, folias,Têm delatores boçais.
...Há sangue por todo canto.Há secura nos quintais.Chora Nordeste teu prantoCom velas nos castiçais...
A fé dorme com açoite.O padre levanta saia.Não há sossego na noite.Há corujas de tocaia.
O Guarani dorme quieto.Ligeiro fica calado.Jardineira vem pra pertoLambe a pata do Dourado...
... O Juriti não tem preço,Sua presença sossega.Há tanto calor, apreçoNos olhos do “Seu Colega”.
No mato, coito, na festa,Com seus donos sempre juntos,O cão valente, que presta Guarda segredo de assuntos...
Altivos ou cabisbaixos,Há no chão suor riscado:Na sanfona de oito baixosHomens dançam no xaxado.
Toca, canta, finca passo,Põe jabiraca na mão:Virgulino no cangaçoForja o cabra Lampião.
(Poema publicado às páginas 112 a 118, no e-book "O COLECIONADOR DE POESIAS", organizado por Márcio Marcelo do Nascimento Sena; republicado no livro "CORPOS MARCADOS", p. 229, editora Scortecci, 2017).
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 06/07/2016
Alterado em 16/02/2017
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