Parte das “Considerações Finais” (p. 113-117) do capítulo 5 (O CORPO MEDIADOR DO CUIDADO ENFERMAGEM:
“O corpo mediador do cuidado de Enfermagem é uma verdade de fato, contingente, justificada a posteriori, e não uma verdade de razão, necessária, justificada a priori. Ao final dessa constatação – e, somente, ao final - pode-se afirmar: o corpo mediador é razão suficiente do cuidado de Enfermagem e isto porque, conforme demonstrado, o cuidado de Enfermagem é uma consequência da interação entre corpos mediadores no processo de cuidado.
Ratificando: a definição do conceito de o corpo mediador do cuidado de Enfermagem tem as características ou propriedades de estrutura da existência humana, de matéria biológica, psíquica e social, de referente das experiências humanas no mundo, de fonte do conhecimento e da história, de construção sociocultural e lugar de controle, de fundamento do cuidado e razão da Enfermagem, de referente no processo e na relação de cuidado. Uma observação somente realizada na escrita dessa conclusão deve ser acentuada: pelo conceito de nexo efetivo e pela estrita concepção de sintoma, os 16 tipos vivenciais configurados podem ser a expressão da vivência de um único tipo vivencial: concepção de corpo sintoma (CCS).
Pelas características ou propriedades do corpo mediador do cuidado de Enfermagem, envolvendo corpos cuidadores e corpos cuidados, pode-se, conclusivamente, afirmar, de forma conceitual e concreta, o Corpo do Cuidado[1]. Nesse Corpo do Cuidado evidenciam-se dois conceitos centrais, vitais e substantivos da Enfermagem: corpo e cuidado. Todos os 266 qualificativos de corpo, identificados nas 108 obras investigadas, são tons circunstanciais daquelas indecompostas e fundamentais características ou propriedades do corpo mediador do cuidado de Enfermagem, ou, em resumo, do Corpo do Cuidado que, em muitos momentos, torna-se corpo do não cuidado porque expressa a vigência de corpos mediadores do não-cuidado.
Para se chegar à conclusão de um corpo do cuidado e consequente à categoria desenvolvimento, o princípio da vivência rege toda a tessitura teóricoconceitual e, porque nenhum pensamento e conhecimento existe fora da vivência, todo o percurso metodológico é construído para dar testemunho disto. A evidência para tal constatação está no princípio do cuidado e, mais especificamente, do cuidado de Enfermagem – cuja emergência (Entestehung) está na relação entre corpos no processo de cuidado.
Neste itinerário e sem deixar implícito que tudo se refere ao corpo, como geralmente acontece, a perspectiva epistemológica apontada é a de se construir tanto uma teoria geral do cuidado da qual provirão todas as características e propriedades do cuidado de Enfermagem como uma teoria do corpo, sabendo-se que sem corpo não existe vida humana nem cuidado. Ou seja, o corpo é a proveniência (Herkunft) de tudo; daí a historicidade humana ser corpórea e toda subjetividade ser algo do corpo. Tivéssemos outra configuração anátomo-neurológica, outros seriam os processos psíquicos humanos, dentre os quais estão as sensações, as percepções e as representações.
Uma teoria geral do cuidado e uma teoria do corpo configuram epistemicamente a Enfermagem como uma indecomposta ciência do cuidado e uma ciência do corpo – desde a sua emergência (Entestehung), uma ciência humana e social ou, mais especificamente, uma ciência particular do espírito[2]. Embora a profusão de conhecimentos particulares sobre cuidado de Enfermagem e nestes estudos os implícitos conhecimentos sobre corpo, até então esta perspectiva não havia se concretizado a partir da autonomia lógica, epistemológica e metodológica das ciências do espírito – conforme a sistemática do proponente desta autonomia, Wilhelm Dilthey.
Retomando o diálogo com a referida sistemática, a confirmação da tese contribui, primariamente, para uma teoria do corpo ao propor o conceito de corpo mediador do cuidado de Enfermagem, ou seja, o corpo da Enfermagem, diferente, por exemplo, do corpo da Psicanálise e do corpo da Medicina. Ao criar uma epistemologia desse conceito, estabelecem-se características e propriedades desse corpo mediador do cuidado de Enfermagem – emergentes da relação entre corpos no processo de cuidado.
A perspectiva da epistemologia do conceito de corpo mediador do cuidado de Enfermagem é ratificar a necessidade de uma consciência histórica de corpo pela qual @s* enfermeir@s sintam-se e se vejam em si própri@s mediador@s do cuidado de Enfermagem, ou seja, sintam-se e se vejam corpos terapêuticos. Os instrumentos, criados pela tecnociência, são instrumentos e não substitutos desses corpos terapêuticos que, por si mesmos, despertam ou potencializam as forças intrínsecas dos corpos de que cuidam para que estes, igualmente, se sintam e se vejam corpos terapêuticos. Referentes aos clientes ou aos profissionais de Enfermagem, esses corpos terapêuticos são corpos de cuidado porque são corpos mediadores do cuidado e não corpos mediadores do não cuidado.
*O símbolo @ é usado para referir-se gramaticalmente ao gênero masculino e feminino.
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Fonte:Livro: O PODER NA REFLEXÃO SOBRE A SAÚDEOrganizador: André Marcelo M. SoaresEditora: Real Engenho / Rio de Janeiro – RJAno: 2016ISBN: 978-15-3715-057-4Capítulo 5: O corpo mediador do cuidado de EnfermagemPáginas: 95-117
[1] O Corpo do Cuidado é um sintagma que aparece em sete obras investigadas: FIGUEIREDO, N.M.A.; TYRRELL, M.A.R.; CARVALHO, V.; LEITE, J.L. Indicadores de cuidados para o corpo que pro-cria: ações de enfermagem no pré-trans e pós-parto: uma contribuição para a prática de enfermagem obstétrica. Rev. Latin. Enf., v. 12, n. 6, p. 905-12, 2004; SARI, V. et al. De que corpo se fala no cotidiano da Enfermagem. Cogit. Enf., v. 14, n. 3, p. 547-52, jul./set. 2009; HANDEM, P.C.; ROCHA, R.G.; FIGUEIREDO, N.M.A. Comunicando com o corpo do cuidado a partir das emoções: acadêmicos de Enfermagem testam sua prática. Anais 8. Simp. Bras. Comum. Enf., maio 2002; AZEVEDO, R.C.S. Modos de conhecer e intervir: a constituição do corpo no cuidado de enfermagem no hospital. 2005. 177p. Tese (Doutorado em Enfermagem). Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2005; SANTOS, I.; GAUTHIER, J.; FIGUEIREDO, N.M.A; PETIT, S.H. Prática da Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Atheneu, 2005; FIGUEIREDO, N.M.A; MACHADO, W.C.A. (Orgs.). Corpo e saúde: condutas clinicas de cuidar. Rio de Janeiro: Águia Dourada, 2009; FIGUEIREDO, N.M.A; MACHADO, W.C.A. (Orgs.). Tratado de cuidados de enfermagem, vol. 1. São Paulo: Roca, 2012.
[2] Deve-se lembrar que, no sistema de Dilthey, a ciência fundamental e abarcadora de todas as ciências de todos os sistemas (cultural e de organização da sociedade) é a História.
Carlos Fernandes, Isaura Setenta Porto e André Marcelo M. Soares
Enviado por Carlos Fernandes em 25/10/2017