Cuidado à saúde liga-se ao paradigma de Vigilância da Saúde que, entre
outras pretensões, tem por meta a interconexão dos campos vigilância
epidemiológica, vigilância ambiental e vigilância sanitária, dentro da função
do Estado brasileiro, definida na Constituição da República, de cuidar da
saúde e realizar a proteção e a defesa da saúde individual e coletiva.
A Lei 8080, de 19 de setembro de 1990, em seu capítulo 1, artigo 6o., inciso
onze, parágrafos 1o. e 2o., define respectivamente:
-vigilância sanitária é o conjunto de ações de eliminação, diminuição e
prevenção de riscos à saúde, intervenção em problemas sanitários
desencadeados pelo meio ambiente, produção e circulação de bens e
prestação de serviços de interesse da saúde;
-vigilância epidemiológica é o conjunto de ações de prevenção e controle de
agravos à saúde.
Pela ação do Estado promovendo ou sendo conivente com a destruição e
contaminação ambiental e pela interconexão de estudos sobre saúde e
educação trabalho e ambiente, tem-se teoricamente vinculado à Vigilância
da Saúde os campos da Vigilância Epidemiológica, da Vigilância Sanitária e
da Vigilância Ambiental.
A Vigilância Ambiental é o setor federal normatizado como Subsistema de
Vigilância em Saúde Ambiental (SNVSA) e inclui as políticas de construção
e de manutenção de Ambientes Saudáveis ou Ambientes Sustentáveis.
A Vigilância da Saúde está dentro do Sistema Nacional de Vigilância em
Saúde (VIGISUS); é um outro modelo de atenção e de vigilância no campo
da saúde no Brasil, organizado de forma diferente a dois modelos oficiais
vigentes: o médico-assistencial privatista, cujo objeto é doença e doentes,
organizado na rede de serviços de saúde, notadamente em hospital; o
sanitarista organizado tradicionalmente por campanhas sanitárias e
programas especiais de vigilância epidemiológica e sanitária.
Dentre outros modelos alternativos e isolados de atenção à saúde estão as
ações programáticas de saúde ou oferta organizada, programas de saúde da
família, acolhimento, cidades saudáveis, promoção da saúde e vigilância da
saúde.
O modelo da Vigilância da Saúde aproxima-se da construção do que tem
sido chamado de concepção, enfoque, paradigma, abordagem, teoria
ecossocial, ecossistêmica de saúde e cuja conceituação é a de saúde de
ecossistemas: atualmente, o grande foco desses estudos segue o
desenvolvimento teórico-político da Medicina Social e parte do movimento
da Saúde Coletiva para as ciências humanas e sociais na saúde.
Em sumária síntese a concepção ecossocial ou ecossistêmica de saúde parte
da tese de que as questões sanitárias, ambientais e epidemiológicas estão
interconexas às questões sociais, políticas, éticas, culturais, econômicas.
Essa concepção e paradigma ecossocial ou ecossistêmico é nominado na
América Latina de Ecossaúde e seu esforço teórico é o construir uma
transdisciplinar teoria da coevolução biocultural cuja proposta integra
ciências biológicas sociais e humanas.
Apesar do não consenso de concepções, programas, projetos, ações e
estratégias no campo da Vigilância da Saúde, pelo menos seis ideologias de
metas o caracterizam:
-superação das dicotomias entre práticas coletivas de saúde (Vigilância
Epidemiológica e Vigilância Sanitária) e práticas individuais de saúde
(Assistência ambulatorial, Assistência hospitalar), entre clínica e
epidemiologia, entre preventivo e curativo, entre individual e coletivo;
-descentralização e reorganização dos serviços e das práticas locais de
saúde vigentes;
-incorporação de novos agentes ou sujeitos de mudança, além dos
profissionais e trabalhadores de saúde;
-atenção inseparável às determinações clínico-epidemiológicas-sociais de saúde;
-inclusão de conhecimentos, tecnologias, saberes e práticas não médico-
sanitários;
-ultrapassagem dos espaços institucionalizados dos sistemas de serviços de atenção à saúde.
Os conceitos de Vigilância à Saúde, Vigilância em Saúde e Vigilância da
Saúde afirmam ideologias diferentes no processo de consolidação do SUS
no Brasil; não expressam, pois, mera confusão ou mau uso de palavras e de
conectivos.
Vigilância à Saúde segue uma ideologia de atenção focal aos agentes,
incluindo-se produtos, e à exposição dos mesmos.
Vigilância em Saúde segue uma ideologia de atenção focal para identificar
e divulgar fatores socioambientais condicionantes e determinantes de
problemas de saúde: fatores socioambientais condicionantes referem-se ao
modo de vida (condições de vida e estilos de vida).
Na Vigilância da Saúde há pelo menos quatro diferentes e, às vezes,
contrapostas ideologias conceituais de atenção: ideologia de análise de
situações de saúde; ideologia propositiva de integração institucional entre
vigilância epidemiológica e vigilância sanitária; ideologia propositiva de
ações redefinidoras das práticas sanitárias; ideologia propositiva de
integração institucional entre as vigilâncias epidemiológica, sanitária,
ambiental.
Todos estas proposições ideológico-conceituais apresentam diferentes e
até contrapostas metas de trabalho no SUS, incluindo-se aquelas
decorrentes da criação de redes sociais de saúde. Há necessidade de um
campo único fundamentador de todas aquelas ideologias e práticas
sanitárias contrapostas, evitando-se sobreposições e contraposições de
saberes e de práticas geradores de desperdícios dos recursos públicos, bem
como todo do caráter ineficaz e inefetivo das Políticas Públicas nacionais e,
também, dos lobbies ideológicos excluindo ou incluindo recursos humanos
de acordo com os preconceitos ideológicos dos gestores.
A formação e o desenvolvimento de inteligência sanitária, cultura sanitária,
responsabilidade sanitária são conquistas conseqüentes à superação das
contraposições ideológico-conceituais: precisamos de uma Política Nacional
de Cuidado, incluindo-se nela uma Vigilância de Cuidado, a partir da qual
se revisarão todos os saberes e práticas das Políticas Públicas vigentes, não
raro apenas teoricamente fundadas numa concepção de cuidado com a vida.