Cuidado do homem é um conceito crítico e integrador para os horizontes epistêmicos conhecidos por
saúde cultural, saúde mental e saúde do homem; pelo menos a minha pretensão é utilizar o cuidado do
homem como horizonte de saber básico e estratégico capaz de modificar a racionalidade instrumental
com que os sistemas culturais abordam o representante masculino da espécie humana.
Saúde cultural quer significar a formação e o desenvolvimento de conhecimentos e saberes, de
habilidades e competências humanas construtoras de uma cultura saudável, ou seja, sustentável, de
afirmação do cuidado com a vida, (re)organizadora de uma Política e Pedagogia para uma sociedade
república.
Ao falar em saúde cultural penso na situação de adoecimento e poluição cultural em que a sociedade
brasileira vive na atualidade: na mídia jornalística, televisiva, cinematográfica; nos conteúdos
fragmentados e inadequados das escolas de todos os níveis incapazes de formar pessoas para uma vida
saudável, integrada; no empobrecimento de mensagens saudáveis presentes na música, na poesia e na
prosa nacional; na fixação subalterna das Academias em conhecimentos e práticas exógenos,
destruindo a sua capacidade para coexistir e correlacionar-se à realidade humano-sócio-histórica
nacional; na destruição do mundo histórico e das relações humanas por uma concepção e modelo de
economia descomprometida com a humanidade e com a Ética; os movimentos hegemônicos de
destruição sistemática da consciência, da cultura e da memória histórica nacional; na vida
representativa de homens de governo, de Estado, de partidos, incapazes de saber o que é Política e, por
isso, distantes do espírito repúblico. Em suma, a racionalidade subjacente à medicalização, à
economialização, à partidarização, à poluição cultural da sociedade é um mal gerador de má qualidade
cultural de vida.
Saúde mental é conseqüente à saúde cultural: apenas teoricamente ou em casos de exceção individual
ou de grupos humanos específicos se pensaria em pessoas mentalmente saudáveis criadas num
contexto culturalmente enfermo. Na tradição viconiana de pensamento há fundamentalidade da
imaginação ou força criativa de imagens e da memória ou força dinâmica documentadora da
experiência: numa cultura adoecida há corrupção e até negação da imaginação e a memória como
fontes da criatividade e da expressividade, forças políticas e pedagógicas formadoras de pessoas
mentalmente saudáveis.
Saúde mental quer significar a formação e o desenvolvimento de conhecimentos e saberes, de
habilidades e competências humanas construtoras de uma vida mental saudável reconhecedora da
integralidade dos processos de vida humana, capaz de se desacorrentar das eurocêntricas e
tradicionais dicotomias, dualismos, doutrinas e conceitos incompatíveis com a história humana
nacional.
Saudável não quer significar as inúmeras teorias justificadoras dos conceitos abstratos de
adaptação, de equilíbrio, de saúde. Saudável é um estado de completude e não de perfeição; de
integralidade e não de fragmentação; de mudança permanente de um estado considerado bom para outro
melhor; de capacidade e de autonomia para desenvolver e atualizar atitudes, competências e
habilidades criadoras e promotoras de vida.
Quanto ao conceito saúde do homem, as mulheres talvez dirão que nos últimos quatro mil anos não se
fez outra coisa além de construir mundo e conceitos sobre o homem; entretanto, essa história
masculina é de não cuidado do homem. Uma história de destrutividades, de crueldades, de maus tratos,
de produção de males; no Brasil milenarmente indígena até o início de um processo colonizador brutal
a partir de 1531 o que vemos é a instituição de um processo de violência histórica, sem solução de
continuidade até o presente momento.
Por distorção sobre a significação de Política e Pedagogia, o horizonte da saúde a sinonimiza à doença
ou enfermidade; conseqüentemente, quando se discute saúde do homem enumeram-se distúrbios da
função sexual (disfunção erétil, problemas de ejaculação...), infecções do aparelho genitourinário,
cânceres (de próstata, de mama, de testículo, de rim, de bexiga...), condições anormais que afetam
testículos e pênis, doenças sexualmente transmissíveis, distonias e crise da andropausa. Ou seja, no
horizonte da atenção médica sabe-se prever, diagnosticar e tratar distúrbios, transtornos e
disfunções da saúde do homem, mas quase nada existe sobre o cuidado do homem num horizonte além
da função sexual e da função reprodutiva.
Quando se fala do homem adulto, reduz-se a saúde do trabalhador às doenças relacionadas ao mundo do
trabalho; com o homem idoso reduz-se a saúde do idoso às doenças relacionadas à velhice.
O mundo dos conhecimentos instituídos sobre saúde dos homens tem sido de não cuidado, de atenção e
assistência médica aos agravos à saúde e doenças quando o assunto é saúde.
O horizonte de estudos nominado Cuidado do Homem antecipa, inclui e ultrapassa os campos
de saúde do homem, atenção e assistência à saúde do homem; e, ainda, naquele horizonte
penso em todas as possíveis dimensões interconexas em que a vida do homem se forma e se
desenvolve, separadas apenas por convenção didática:
-cuidado com a qualidade de vida socioétnica
-cuidado com a qualidade de vida biogenética
-cuidado com a qualidade de vida sociocultural
-cuidado com a qualidade de vida sociocognitiva
-cuidado com a qualidade de vida sociofamiliar
-cuidado com a qualidade de vida sociopolítica
-cuidado com a qualidade de vida socioescolar
-cuidado com a qualidade de vida socioafetiva
-cuidado com a qualidade de vida sociossexual
-cuidado com a qualidade de vida socioreprodutiva.
Todos os homens nascem em ambientes históricos pré-estabelecidos com os seus sistemas culturais,
sistemas de organização interna da sociedade e sistemas de organização externa da sociedade: esses
ambientes históricos são um mar empírico de história em que diferentes nações povos formaram os
seus sistemas ou conexões de fim. E esse mar empírico de história que se compõe e se desenvolve
como um tecido emaranhado de história é o gerador daqueles interconexos tipos de cuidado (ou de
não cuidado).
Assim como não se concebe condição humana fora de uma sociedade, também não a concebemos fora do
corpo e fora da história: a condição humana é corpórea, social e histórica. E por tal condição humana
inúmeras situações humanas lhes são conseqüentes dentre as quais estão as que denomino situações de
cuidado e situações de enfermagem.
Há uma diferença substancial quando me refiro a um mar empírico de história composto numa
situação de cuidado e numa situação de enfermagem: a situação de cuidado é estabelecida mediante
situações de vida e em cenários de cuidado variáveis, por exemplo durante a criação de grupos de
cuidado; a situação de enfermagem ocorre mediante situações de vida relacionadas a agravos, riscos e
danos ao corpo de indivíduos, às suas vidas ou à qualidade de vida de grupos populacionais específicos.